Luana Tolentino: Contra o fascismo da “Escola sem partido”, nasce a “Frente dxs Plurais”

Na noite de ontem, 11 de maio de 2016, participei da primeira reunião da “Frente dxs Plurais”, iniciativa organizada pela professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, Patrícia Santana.

Por Luana Tolentino, especial para o Viomundo

A Frente nasceu com o objetivo de impedir a aprovação do Projeto de Lei 1911/16, capitaneado pelo vereador Sergio Fernando, do PV. Caso seja aprovada na Câmara, será implementada nas instituições públicas de ensino da capital mineira a “Escola sem Partido”, aberração política de cunho fascista. No texto do PL, lê-se:

Art. 2. – É vedado ao professor, no exercício de suas funções, a prática de doutrinação política ou ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflito com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes.

Enquanto a democracia era dilapidada no Senado Federal, no Sindicato de Professores de BH, nós — um grupo de vinte profissionais da educação, do movimento LGBT, da área da saúde — discutíamos não só ações para barrar esse projeto supracitado, mas também alternativas para conter o avanço do conservadorismo e do fundamentalismo religioso cada vez mais presente nas escolas.

Mesmo sabendo que em todo o Brasil o clima era de incredulidade, dor e revolta pelo afastamento da presidenta Dilma Rousseff, o meu coração estava em festa naquele momento.

Explico.

Sentia-me profundamente feliz por estar ao lado de professores empenhados em democratizar o ensino através de práticas educativas que garantam o respeito a toda diversidade existente no ambiente escolar. Estava rodeada de colegas conscientes de que para que haja mudanças, torna-se necessário que nos posicionemos enquanto protagonistas, enquanto sujeitos vivos e ativos na construção de um Brasil mais justo e igualitário, principalmente para os grupos historicamente excluídos, como é o caso das mulheres, dos negros, dos indígenas, dos homo e transexuais.

A verdade é que, durante pouco mais de duas horas, subvertermos todo um imaginário social que há tempos enxerga os professores apenas como meros transmissores de conhecimento, resignados diante do descaso que esse país tem para conosco.

Horas antes do golpe ser consumado em Brasília, resistíamos.

Resistíamos à invisibilidade e ao silenciamento que parlamentares tentam nos impor através de leis esdrúxulas.

Resistíamos ao oportunismo daqueles que, de posse de cargos públicos, têm usado a religião para justificar o ódio, a intolerância, a mentira e a hipocrisia.

Resistíamos aos que nos acusam de não termos consciência de classe.

Resistíamos ao lado dos estudantes secundaristas que lá estavam, e, mais do que nunca, têm nos ensinado o significado da palavra resistência.

Na noite de ontem, tal qual ocorreu em 1954 e em 1964, o Brasil sofreu mais um duro golpe.

A esta altura, Temeres, Cunhas, Martas, Janaínas, Bolsonaros, Aécios, Renans, Frotas, Felicianos e todos aqueles que se coadunam com o que há de mais sórdido nesse país, comemoram, soltam fogos, batem panelas.

Tiririca e Tia Eron provavelmente dão risada. Jamais me esquecerei do voto desses dois na vergonhosa noite de 17 abril. Lembrarei sempre do palhaço que conheceu de perto a fome e, mesmo assim, se juntou à elite. Lembrarei também da deputada negra que, de maneira sórdida, para satisfazer os interesses da Casa Grande, que a ofende, humilha e despreza, teve a coragem de chamar políticas públicas como as cotas de “migalhas”.

Na noite de ontem, muitos de nossos sonhos foram frustrados. O meu voto e os de outros 54.501.117 brasileiros foram descartados, como se não tivessem nenhum valor.

Contudo, nessa mesma noite, no centro de Belo Horizonte, a minha vontade de lutar, que havia se esvaído ao final da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, voltou. E ainda com mais força.

Pode ser que tenhamos dificuldades para organizar os próximos encontros da “Frente”. A perseguição aos movimentos sociais e a grupos que defendem a democracia tende a se exacerbar.

Apesar da previsão de tempos de profundo obscurantismo, carrego comigo a certeza de que independente do que aconteça, haverá luta. Haverá resistência. Em todos os sentidos. Sempre. Nos sindicatos, nas igrejas, nas escolas, nas universidades, nos bares.

Como diria o mestre combativo Chico Buarque de Holanda, haverá resistência também “no palco, na praça, no circo, num banco de jardim, debaixo da ponte…” E ela já começou.

Resistência. Daqui pra frente, essa é a palavra de ordem.

Luana Tolentino é Professora e Historiadora. É ativista dos movimentos Negro e Feminista.

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