Um juiz de Araçatuba (SP) determinou a imediata restituição da guarda de uma adolescente de 12 anos à sua mãe, que havia perdido a responsabilidade sobre a filha depois de a menina passar por um ritual de iniciação no candomblé, que envolve raspar a cabeça dos novos adeptos.
Por decisão da Justiça, a garota estava sob os cuidados da avó materna, após ação movida pelo Conselho Tutelar da cidade, que no dia 23 de julho recebeu denúncias de maus-tratos e abuso sexual no terreiro de candomblé frequentado por mãe e filha. Um dos relatos foi dado pela avó, que é evangélica, Para a família, houve intolerância religiosa.
A decisão que restabeleceu a guarda materna é do juiz Danilo Brait, da 2º Vara Criminal e Anexo da Infância e Juventude de Araçatuba (a 527 km de São Paulo). Segundo o magistrado, exames realizados na menina apontaram que ela não tinha nenhuma lesão, hematoma ou outro sinal de agressão ou abuso.
Em seu depoimento, de acordo com juiz, a adolescente também afirmou que frequenta a religião com a mãe e que estava ciente do ritual a que seria submetida. O Ministério Publico se mostrou a favor da revogação da decisão liminar que havia retirado da mãe a guarda da filha.
Advogado que atuou no processo de recuperação de guarda, Hédio Silva Jr defendeu a importância de manter o vínculo entre pais e filhos. “Ela [a adolescente] declarou com todas as letras que escolheu a religião, que participou do ritual por livre e espontânea vontade, portanto não havia qualquer razão para suspensão do poder familiar.”
“É uma decisão de grande importância e que reafirma a Justiça como um caminho a ser sempre seguido para fazer valer direitos que a Constituição, o ECA [Estatudo da Criança e do Adolescente] e tratados internacionais asseguram a todo brasileiro”
Hédio Silva Jr, advogado
Especialista em casos que envolvem racismo e intolerância religiosa, o advogado acredita que a decisão do juiz em favor da mãe deverá ser mantida. “Houve uma sucessão de arbitrariedade, especialmente do conselho tutelar, então agora nós vamos buscar a responsabilização criminal de todos que atuaram arbitrariamente para que a gente tivesse uma decisão tão traumática”, disse o advogado.
Nesta sexta-feira, também foi realizada uma reunião sobre o caso, organizada pela deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL) e da qual participaram, entre outros, procuradores, a mãe da adolescente e o pai de santo do terreiro frequentado pela família.
O encontro resultou em um compromisso do Ministério Público de elaborar, em diálogo com a sociedade, uma norma técnica que possa ser utilizada para orientar a atuação do órgão com conselhos os tutelares.
“É uma esperança que episódios lamentáveis como esse não se repitam”, afirmou o Hédio Silva Jr, que também participou da reunião.
Além de tratar da denúncia, o objetivo da reunião foi reforçar o papel do Ministério Público de São Paulo no sentido de fiscalizar a atuação dos conselhos tutelares para atuem de acordo com o ECA, e não baseados em convicções religiosas.
“O Ministério Público tem a função de fiscalizar a atuação dos conselhos tutelares, porque não razoável que um conselheiro tutelar pago com recursos públicos, que atue como se o conselho tutelar fosse o puxadinho da sua igreja”, disse o advogado.
Ele também ressaltou que a principal obrigação do Estado nesse caso é criar elementos de prevenção para que episódios assim não se repitam. “É preciso que o Estado adote medidas que evitem que brasileiros seja discriminado ou violentado em razão da sua descrença ou crença”, afirmou.