Mães negras não adoecem

“Quem aqui de vocês quando doente, conseguiu ficar mais de três dias de cama, sem ter que se recuperar antes do tempo previsto, para retomar seus compromissos ?”. Essa foi a provocação inicial feita durante o primeiro encontro do Iyá Maternância grupo de mulheres que discute maternidade negra, até onde sei, a primeira iniciativa nesse sentindo em São Paulo. O evento foi nesse último sábado, dia 23 de abril.

Por Silvia Nascimento Do Mundo Negro

E é isso. Se mulher negra tem que ser forte, mães negras não podem ser dar “ao luxo” de adoecer. A imagem da escrava negra sempre disponível e pronta para servir, ainda existe, mesmo em lares afro-centrados. São as feridas da escravidão ainda abertas e cutucadas diariamente, e que se traduzem em muito dor, baixa autoestima e a sensação de que não merecemos ser amadas.

Quem já participou de encontros de mulheres negras, sabe o quanto é tocante, o quanto choramos deixando evidente uma dor coletiva, mas silenciada dentro dos nossos lares. Temos medo de nos mostrarmos vulneráveis, visto que temos que ser a solução e nunca o problema ou ainda, pela falta de ter quem se importe.

“Minha mãe morreu aos 53 anos, de tanto trabalhar. A imagem que tenho dela é de sofrimento, ela apanhava do meu pai e trabalhava todos os dias da semana, até que seu coração não aguentou”, disse uma das participantes do encontro do Iyá. Eu, infelizmente, não acho que esse seja um caso isolado. A maior parte das famílias negras, são sustentadas por mães exaustas.

Projetos sobre maternidade negra são urgentes porque a sensação de solidão e abandono persiste até entre mães jovens. Não nascemos mães. Parir e educar crianças negras é outro papel que tivemos que assumir sozinhas.

Minha dúvida é, porque o homem negro é tão ausente nessas questões?  Em outros depoimentos ficou evidente que o pai, negro ou branco, delega a mãe, mais esse fardo, como se só ele tivesse o direito de usar a carta da Glória Pires e não opinar, passando para nós, mais uma vez a função de administrar e gerenciar conflitos gerados em situações de racismo.

Quem exige das lojas a boneca negra, quem vai à escola para pedir mais diversidade nos livros paradidáticos ou denunciar o coleguinha racista, quem muda sua estética para ser referência para os seus filhos é a mãe negra.

As recompensas por essa doação incansável é essa nova geração de crianças negras empoderadas.

Mães negras, como todas as outras, têm dúvidas, medos, se cansam, sentem dor, tem muitas dúvidas e não têm resposta para tudo, no entanto o racismo é imperdoável, mesmo com as que ainda carregam seus filhos no ventre. Até a dose de anestesia no parto pelo SUS é menor quando a mãe tem pele escura.

Enquanto isso não é um problema para o Estado, nem para os pais, iniciativas como a Iyá, são o que irá garantir que nossas meninas negras, sejam mais felizes e amparadas no futuro quando se tornarem mães.

+ sobre o tema

Major da PM pula muro e mata mulher a tiros em escola municipal em Castelo Branco

Ironicamente, um crime violento aconteceu na manhã desta sexta-feira...

Cátedra da USP recebe as “escrevivências” de Conceição Evaristo

A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou...

O abandono e suas heranças

A HERANÇA DO ABANDONO PARA AS MULHERES ABANDONADAS Para quem...

para lembrar

Agência de turismo faz promoção para estimular sexo e gravidez na Dinamarca

Uma agência de turismo na Dinamarca está fazendo uma...

‘Por que eu, homem, não sou bem-vindo no movimento feminista?’

Existem debates que batem cartão nos grupos sobre feminismo...

17ª Parada de Orgulho LGBT do Rio: ‘Coração não tem preconceitos. Tem amor’

O sol forte voltou a aparecer neste domingo, e...
spot_imgspot_img

Ativistas do mundo participam do Lançamento do Comitê Global da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

As mulheres negras do Brasil estão se organizando e fortalecendo alianças internacionais para a realização da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem...

Iniciativa Negra debate mulheres, política de drogas e o encarceramento em evento presencial

São Paulo, março de 2025 – A Iniciativa Negra convida a sociedade para mais uma edição do Boteco Brasileiro de Política de Drogas. O...

Empreendedorismo feminino avança, mas negras têm obstáculos com receita e tempo de dedicação

O empreendedorismo feminino avança no Brasil, refletindo tendência global de igualdade na abertura de negócios por homens e mulheres, mas questões relacionadas a cor e raça colocam negras em desvantagem. O...
-+=