Manifesto a favor da democracia une personalidades de ideologias diversas

Até alguns meses atrás, seria improvável imaginar que os músicos Lobão e Caetano Veloso se unissem em defesa de uma mesma causa. Na sexta-feira (29), isso aconteceu.

Por meio de um manifesto publicado neste sábado (30) na edição impressa de jornais, entre eles a Folha, artistas, políticos, empresários, produtores e intelectuais lançaram um movimento que demanda a líderes que “exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”.

O texto também foi divulgado por meio de um site criado pelo movimento, que foi intitulado “Estamos Juntos”.

O manifesto se propõe a unir pessoas de diferentes matizes ideológicas em defesa de temas como “a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia”.

Nele, são chamados a “resgatar a identidade da nação” os líderes partidários, prefeitos, governadores, procuradores, deputados, juízes e outras autoridades —mas não o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), seus ministros ou as Forças Armadas.

Entre os signatários estão personalidades como a atriz Fernanda Montenegro, o youtuber e empresário Felipe Neto, o escritor Paulo Coelho, os apresentadores Luciano Huck e Serginho Groisman, o produtor Kondzilla, a socióloga e acionista do Itaú Maria Alice Setúbal e o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Nelson Jobim.

Também assinam o manifesto políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), o governador Flávio Dino (PC do B-MA) e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (MDB).

“A gente não está entre o bolsonarismo e o comunismo, estamos entre o bolsonarismo e a civilização”, diz o escritor e colunista da Folha Antonio Prata, um dos organizadores do movimento. Ele destaca a diversidade de pensamentos e opiniões das pessoas que assinam o manifesto.

“Tem todo mundo do chamado flá-flu de antes desse flá-flu de hoje, de quando a disputa política ainda era entre PT e PSDB”, diz.

Prata afirma que o movimento não é necessariamente antibolsonarista, nem defensor do impeachment do presidente, mas é principalmente antifascismo.

Ele diz que a possibilidade de escalada autoritária nas últimas semanas ajudou a unir as pessoas em uma mesma direção. “Nós estamos à beira de um golpe militar”, afirma o escritor.

Ainda não há um plano de como o movimento atuará. Inicialmente, a ideia é apenas tornar público o manifesto e “botar o bloco na rua”, ainda sem uma “convocação prática”. Mas o grupo pretende organizar para as próximas semanas uma sequência de apresentações musicais transmitidas ao vivo pela internet —as chamadas “lives”.

Reprodução de anúncio publicado na pág. A5 da Folha de S.Paulo de 30.mai.2020. (Foto: Reprodução/ Folha de S. Paulo)

O episódio que deu origem ao Movimento Estamos Juntos tem apenas 20 dias, quando 512 artistas assinaram um manifesto contra a atriz Regina Duarte, então secretária especial da Cultura do governo Jair Bolsonaro.

Em entrevista à CNN Brasil, ela minimizou as mortes, a censura e tortura do regime militar. Regina Duarte também relativizou o impacto da pandemia do novo coronavírus.

O manifesto dos artistas, uma nota de repúdio, dizia que a atriz não os representava. No último dia 20, ela deixou o cargo de secretária e foi indicada para a Cinemateca.

Uma das pessoas que coletaram as assinaturas foi a roteirista Carolina Kotscho. “A partir daquilo, veio uma onda de sentimento represado, ainda mais com todo mundo em casa, angustiado com a situação do país e querendo se juntar. Foi uma catarse”, afirma.

A partir da primeira nota, foi montado um grupo de Whatsapp que decidiu elaborar o novo manifesto e lançou o alicerce para o Estamos Juntos. Segundo a roteirista, até a noite de sexta já havia mais de 5.000 assinaturas.

Apesar de estar presente desde o início das discussões, Kotscho não gosta de ser vista como uma coordenadora ou líder do movimento, que “é de todos”, segundo ela.

A roteirista avalia que o grupo não deve se restringir a uma resistência às ações do governo Jair Bolsonaro, mas também refletir sobre “o que vem depois”.

“Não adianta ficar se mobilizando contra se não estiver organizado para trabalhar a favor. Temos que amadurecer muito politicamente. Todo mundo levou esse susto agora, mas é um momento de tomada de consciência da sociedade civil sobre a sua responsabilidade na condução desse país”, afirma.

O manifesto que circulou neste sábado afirmava que, apesar das ideias e opiniões diferentes, os signatários comungam “dos mesmos princípios éticos e democráticos”.

“Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança. Vamos juntos sonhar e fazer um Brasil que nos traga de volta a alegria e o orgulho de ser brasileiro”, conclui o texto.​

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