“Não imaginei que seria minha vez”, diz brasileiro vencedor do “Oscar” dos quadrinhos
Vencedor do importante prêmio Eisner, considerado o “Oscar” dos quadrinhos, o paulista Marcelo D’Salete, 38, parecia não acreditar quando recebeu de amigos, via mensagem de texto, a notícia de que sua graphic novel “Cumbe” havia vencido nesta sexta (20) na categoria de melhor edição americana de material estrangeiro.
“Como o prêmio saiu tarde, depois da meia-noite do Brasil, amigos começaram a me parabenizar. Foi uma surpresa muito grande. Lembro que ontem fui conferir as obras que estavam concorrendo, todas de excelentes artistas, imaginei que não seria minha vez”, diz ao UOL o artista, que é professor, ilustrador e desde 2008 autor de histórias em quadrinhos. Clique aqui e conheça mais sobre ele.
“Essa vitória, dentro de um mercado enorme que é os EUA, é muito significativa para o quadrinho nacional. Ainda mais com um trabalho falando sobre nossa história, de um modo especial. É o meu modo de contar histórias, que inicialmente até achava que afastava as pessoas, mas que está chamando a atenção até de pessoas que não liam quadrinhos.”
Lançada em 2014, “Cumbe” reúne histórias protagonizadas por escravos que decidem lutar contra o sistema durante o período colonial do país. Elas são contadas sobre a perspectiva atual, tangenciando temas políticos e de identidade e formação do povo brasileiro. Os relatos brutais retratam perseguições a escravos que fugiam das fazendas, roubo de bebês e rebeliões.
O trabalho é resultado de uma longa pesquisa iniciada por D´Salete em 2004, com leituras sobre Zumbi e o quilombo dos Palmares, que também serviu de inspiração para “Angola Janga” (2017), vencedor do Prêmio Grampo 2018. A obra saiu nos EUA pela editora Fantagraphics, com o nome de “Run for It” e tradução de Andrea Rosenberg. Também foi lançada em Portugal, França, Áustria e Itália.
“Desde pequeno, eu sentia falta de narrativas como essa, com personagens negros como protagonistas e refletindo sobre sua própria história, como já acontecia na música, no cinema e em outros meios”, diz ele, autor também de “Encruzilhada” (2011), que apresenta histórias centradas em pessoas comuns da periferia de uma grande cidade brasileira.
Segundo Marcelo D’Salete, que agora planeja uma graphic novel sobre o Brasil contemporâneo, sua vitória no Eisner também serve para sensibilizar os leitores sobre a importância da questão racial. “Hoje existe resistência política a reivindicações de certos grupos. Mas acho que o dever do artista é criar esse ruído, esse incômodo. Obras assim essa podem revelar algo importante sobre nossa cultura, sobre muita coisa que a gente ainda não resolveu.”
Criado em homenagem ao quadrinista e ilustrador americano Will Einser, o prêmio Einser é concedido durante a San Diego Comic-Con, na Califórnia, e desde 1987 homenageia artistas em diversas categorias. É considerado o maior prêmio de quadrinhos do mundo. Além de Marcelo D’Salete, os brasileiros Gabriel Bá, Fábio Moon e Rafael Albuquerque também já foram premiados.