Margarida Genevois recebe homenagem em Prêmio de Direitos Humanos da da OAB-SP

Discurso de Margarida Genevois, presidente de honra da Comissão Arns, durante cerimônia do XXXV Prêmio de Direitos Humanos da OAB São Paulo – Franz de Castro Holzwarth, que prestou homenagem ao Movimento Mães de Maio e menções honrosas a Margarida e a Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, in memoriam.

Da Comissão Arns 

Imagem Retiradas do site Comissão Arns 

“Bom dia a todas e todos. Estou emocionada e feliz, mais uma vez presente nesta casa que simboliza uma instituição com uma bela história de lutas em defesa da democracia e dos direitos humanos.

Ao agradecer esta homenagem quero, em primeiro lugar, afirmar a honra de partilhar este momento com as valorosas Mães de Maio e com a memória de Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.

As Mães de Maio são forças inspiradoras de atuação e luta contra a violência de policiais que vem atingindo, em sua maioria, jovens pobres e negros, no Rio de Janeiro.

Sigmaringa Seixas, advogado, foi um incansável defensor de presos e perseguidos durante o regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964. Tive o prazer de encontrá-lo regularmente nas reuniões da CJP Nacional, quando estava ainda no Rio.

Em segundo lugar, tomo a liberdade de evocar traços e pessoas que marcaram minha vida, tornando-a profundamente vinculada aos Direitos Humanos.

Receber uma homenagem da OAB tem, portanto, um significado especial para mim. Desde criança estive cercada por advogados e juristas. Na minha família, a escolha da profissão era mais que uma vocação, era uma adesão aos valores elevados do Direito, da Liberdade e da Justiça.

Desde meu avô José Luiz, desembargador, meu pai, Mario Bulhões Pedreira. criminalista, meus tios advogados, meu irmão José Luiz – este autor da moderna Lei das Sociedades Anônimas – havia a consciência de que chegar ao ensino superior, em nosso país, era um privilégio que exigia dedicação e compromisso. Meu pai, Mário Bulhões Pedreira, permanece um exemplo sempre lembrado, e seus amigos juristas fizeram também parte de minha vida. Sobral Pinto foi meu padrinho de casamento; Hermes Lima, padrinho de batismo de meu filho Bernard.

E mais tarde, ao vir morar em São Paulo, tive a sorte de conhecer o jurista Fábio Konder Comparato, que me levou a Dom Paulo Evaristo Arns e à Comissão Justiça e Paz. Esse encontro transformou minha vida e deu-lhe a compreensão do que significa, na alma e na ação, liberdade, igualdade e fraternidade.

Durante 25 anos tive o privilégio de trabalhar com Dom Paulo e os companheiros da Comissão, advogados ilustres, na maioria: Dalmo Dallari, foi nosso primeiro presidente seguido de José Carlos Dias e José Gregorio. Desde a morte de D. Paulo, é o advogado Antonio Funari que, com grande dedicação, rege a atual Comissão.

A Comissão Justiça e Paz começou em 1972, nos tempos terríveis do A.I.5, das perseguições, das torturas e prisões, da censura, dos que eram mortos ou dados como “desaparecidos”. Diariamente eram presos jovens, estudantes e sindicalistas, militantes que não se conformavam com o que acontecia no país. Muitos, presos e torturados.

Mais de 400, segundo a Comissão da Verdade – mas sabemos que foram muitos mais, nos porões de quartéis do exército, das casas da morte – como a de Petrópolis – no porão do Dops de SP e muitas outras prisões.

E diariamente, na Cúria, compareciam famílias desesperadas, que não tinham onde procurar seus parentes, todas as portas se fechavam e ninguém falava. Dom Paulo, muito firme e corajoso, era a última esperança para essas famílias, era a única porta aberta a todos, sem jamais perguntar qual era sua religião ou a que partido pertencia. Bastava saber que eram pessoas em grande sofrimento e angústia, pessoas que precisavam de ajuda.

E passei a atender aos familiares, a encaminhar para advogados ou simplesmente ouvir e abraçar com toda a solidariedade que brotava do fundo do coração de mãe que se colocava no lugar daquelas e daqueles que choravam. Descobri neste trabalho uma realidade que na época poucos conheciam.

Lembro-me como se fosse hoje de uma moça jovem que chegou à Cúria com um filhinho de uns dois anos. Era Felipe Santa Cruz. Vinha acompanhada de Rosalina Santa Cruz, irmã de Fernando Santa Cruz, até hoje dado como desaparecido. Carreguei no colo aquele menino, que hoje é presidente da OAB nacional. Que voltas que o mundo dá!

A Comissão continuou mesmo depois da Anistia, dedicando-se ao trabalho de denunciar as violações de direitos humanos em vários contextos, principalmente no sistema presidiário e nas periferias abandonadas pelo Estado. A partir do final dos anos 1980, decidimos, com apoio do grande educador Paulo Freire, iniciar um programa de Educação em Direitos Humanos que deu vários frutos. Iniciamos este trabalho na presidência de Marco Antônio Barbosa, com a professora Maria Victória Benevides.

Enfim, a ditadura foi superada, mas cicatrizes ficaram.

E hoje, depois de tantos anos, e de governos democráticos que apoiaram os Planos Nacionais de Direitos Humanos, assim como o Direito à Verdade e à Memória, vivemos, estarrecidos, tempos cruéis de exaltação da violência e da redução drástica dos direitos fundamentais, sobretudo dos já muito vulneráveis. Um retrocesso terrível, uma negação de nossa Constituição e dos Pactos Internacionais de Direitos, todos assinados pelo Brasil.

Vivemos um clima pesado de ódio, de descrença, de desesperança. Um clima de ódio que não existia nem mesmo na ditadura.

Entre tantos exemplos do horror atual, destaco a perseguição a professores por simplesmente ensinarem a história verdadeira de nosso país. O caso da professora agredida por alunos de 15 a 17 anos, na internet, com ameaças de “morte lenta e dolorosa” é eloquente em sua crueldade.

O brutal aumento de mortes violentas pela polícia, sempre contra os mais desprotegidos de qualquer apoio, clama aos céus pela barbárie. Assim como cumpre destacar a violência contra os indígenas, os quilombolas e as populações tradicionais, atacados fisicamente e em seus modos de vida.

Crescemos ouvindo e lendo que o brasileiro é cordial, acolhedor, prestativo, alegre. O que está acontecendo é de estarrecer. Parece que uma bomba contida de ódio concentrado estourou no ar e nos atinge a todos. Basta constatar o aumento do racismo, da homofobia, da misoginia, do desrespeito ao outro, da raiva do pobre, do povo em situação de rua.

E, em qualquer meio social, aquele que pensa diferente é sempre um inimigo. Muitas vezes um inimigo que merece a tortura e a morte. É esse clima que mais me impressiona no momento que vivemos. E eu, no alto dos meus 96 anos (e meio), que acompanhei de perto o sofrimento de tantos, temo pelos jovens, pelas crianças que têm o futuro pela frente.

Hoje, aqui, nessa casa que é o templo do Direito, festejamos um prêmio que tem o nome do herói que deu sua vida pela justiça, vamos refletir e nos comprometer.

Como reagir, como resistir ao medo, como lutar contra a desesperança, como apoiar os movimentos e as entidades que lutam pelo reconhecimento e a garantia dos direitos humanos?

Foi por acreditar na resistência que aceitei, nesta altura da vida, participar da Comissão Arns, criada no final de 2018 para enfrentar, com denúncias e apoios, as violações de direitos humanos que já se prenunciavam com a eleição de um governante que explicitamente defendia a tortura.

Em nome dessa honrosa homenagem que hoje recebo, peço a vocês da OAB, defensora da Justiça, dos direitos e da liberdade, que empunhem o facho dos nossos melhores anseios da verdade, da solidariedade, da defesa dos que não têm voz.

Lembro aqui um texto de Érico Veríssimo, de que gosto muito, no seu livro “Solo de clarineta”:

“Numa época confusa como a que vivemos, cada um deve acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que ele caia na escuridão, propícia para os tiranos e ditadores”.

“Sim, segurar uma lâmpada elétrica a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos, repetidamente, como um sinal de que não desertamos de nosso posto.

Continuemos a acender nossos fósforos para que, em benefício de todos, a democracia floresça”.

Nossos fósforos unidos se tornarão fogueiras de calor, de luz, de amor e de paz.

Muito obrigada”.

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