Onde estão os direitos de crianças e adolescentes negros?

A perfeita redação do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, ao conceder prioridade absoluta aos direitos de crianças e adolescentes, inaugura a doutrina da proteção integral no país. A falha se encontra na sua aplicação, que não considera as categorias de raça, gênero, classe e cultura que afetam a sociedade brasileira desde a mais tenra idade, especialmente para crianças e adolescentes negros, quilombolas, ribeirinhos e de populações tradicionais.

Por  Mayara Silva de Souza e Pedro Mendes*, do Prioridade Absoluta

Foto: rawpixel.com

O mês de novembro, desde o assassinato de Zumbi dos Palmares, em 1695, é marco para toda população brasileira, em especial para a população negra e quilombola. As categorias de raça e cultura tem marcado estruturas em nossa sociedade de uma maneira bastante violenta, que exclui e limita a participação, existência e o direito das pessoas negras, em especial de crianças e adolescentes. Os desafios enfrentados por esta população nos mostram que as relações de sucesso são muito mais sobre oportunidades do que sobre determinação. A história da escravidão ainda diz, e vai dizer por muito tempo, sobre como as pessoas negras, seus planos, sonhos e vidas são vistas e tratadas. E essa lógica está presente desde o começo da vida, e até mesmo antes dele, quando, por exemplo, mulheres negras recebem menos assistência ao pré-natal e ao parto.

A efetivação da absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes ainda é um desafio a ser enfrentado por todos atores sociais, mas se torna ainda mais complexa quando olhamos para a situação de crianças e adolescentes negros, que vivem, majoritariamente, nas regiões mais vulneráveis da cidade, são os mais atingidos pela baixa qualidade do ensino no país e pela desigualdade de renda, são as principais vítimas de homicídios; e são maioria nos sistemas socioeducativo e prisional.

Neste contexto, é fundamental assegurar que todas as mãos estejam livres para amparar crianças e adolescentes negros de maneira acolhedora e livre de violências. O espaço em que a população negra se encontra faz surgir questões fundamentais como: de que maneira devemos agir para garantir o direito a prioridade absoluta dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes negros?

Precisamos reconhecer que a implementação efetiva do artigo 227, e de toda doutrina da proteção integral, é condicionada ao reconhecimento dessas desigualdades fruto do racismo estruturante da sociedade. Contudo, importante lembrar que: se crianças e adolescentes negros são encontrados nos piores cenários que a infância e a juventude podem enfrentar, é a partir deste lugar que eles estabelecem lutas e resistências.

Assim, para que possamos falar em uma efetivação plena do artigo 227 é preciso questionar qual a posição das crianças negras na sociedade? Como elas se posicionam nesse lugar social? E como podemos reverter tal cenário? Uma dessas respostas se encontra na estruturação de políticas públicas e de um sistema de justiça sensível, acessível e amigável para crianças e adolescentes negras, que seja antirracista, isto é, que reconheça as desigualdades sociais e a violência perpetuadas pelo racismo e as combata não apenas formalmente, mas de maneira ativa.

Por fim, o que se deseja é que este novembro negro não nos deixe esquecer que criança é feita para brincar, sorrir e sonhar. Romper o ciclo da infância e adolescência com o racismo é esvaziar a humanidade do que há de mais bonito.

*Mayara Silva de Souza é advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Pedro Mendes é estudante de direito e estagiário do programa Prioridade Absoluta.

 

Leia Também:

Mais de 60% das crianças que trabalham no Brasil são negras

Erê pode tudo: crianças conversam sobre representatividade negra

O que o descaso de uma escola com uma criança nos ensina sobre a criminalização do homem negro

+ sobre o tema

O avanço dos mandatos coletivos

A cidade com o maior Índice de Desenvolvimento Humano...

Novo vídeo do caso Mirella/Band compromete apresentador Uziel Bueno

O vídeo que segue completa a matéria da...

Cristovam propõe bolsa de estudo para filhos de descendentes de escravos

Fonte: Agência Senado   O presidente da Comissão...

Suplicy envia ofício a Alckmin e Haddad pedindo diálogo com manifestantes

Durante a sessão plenária desta quinta-feira (13),...

para lembrar

Não somos defensores de bandidos!

Não somos defensores de bandidos! – Diálogo com a sociedade...

Creuza Maria Oliveira, presidenta da Fed. Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) ganha Prêmio Direitos Humanos 2011

Creuza Maria Oliveira, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras...
spot_imgspot_img

Ministério da Igualdade Racial lidera ações do governo brasileiro no Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, está na 3a sessão do Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU em Genebra, na Suíça, com três principais missões: avançar nos debates...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...

Ministério lança edital para fortalecer casas de acolhimento LGBTQIA+

Edital lançado dia 18 de março pretende fortalecer as casas de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ da sociedade civil. O processo seletivo, que segue até...
-+=