Marina se fortalece após ataques

Numa democracia, argumentos da ministra não só podem, como devem ser debatidos civilizada e respeitosamente

Se do caos florescer um mínimo de boa política, o Brasil terá — de novo — produzido o que a juventude gosta de chamar de plot twist no roteiro sempre novelesco da História nacional. A ministra do Meio Ambiente foi acolhida, acarinhada e ouvida, como poucas vezes fora, depois da emboscada de que foi vítima em audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado. Das entrevistas e posts em rede social, emergiu o discurso político corajoso e assertivo que Marina Silva andava sem espaço para exibir. Lembrou muito a candidata a presidente de outras eleições.

Não ficaremos sabendo da reação do eleitorado, porque os institutos de pesquisa não incluem mulheres nas consultas sobre a corrida presidencial de 2026 — a exceção é a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL). Nem Simone Tebet (MDB-MS), hoje ministra do Planejamento, nem Soraya Thronicke (Podemos-MS), ambas candidatas em 2022, presenças constantes nos debates, são consideradas. É mais uma dimensão da violência política de gênero — nesse caso, pela via da invisibilidade —, que se desnudou em misoginia escancarada contra Marina no Senado.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva – Foto: Alessandro Dantas

Repercussão nas redes houve. A Quaest acompanhou as reações à aprovação pelos senadores da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, apelidado pelos apoiadores de PL Destrava Brasil; pelos críticos, de PL da Devastação. De 15 a 27 de maio, o instituto identificou pouco mais de 48 mil menções ao tema, com impacto em 52 milhões de internautas. Metade (49%) das referências eram negativas; 12%, favoráveis.

Na sequência do constrangimento imposto por senadores à ministra, a Nexus monitorou a repercussão na rede X. Marina ocupou por 24 horas o topo da lista de referências, os Trending Topics Brasil, com 343 mil citações. As manifestações de apoio predominaram tanto na plataforma de Elon Musk quanto no Facebook e no Instagram. Ainda ontem, 48 horas depois da ida ao Senado, a ministra somava 272 mil citações.

Marina foi emparedada por um parlamentar da base governista, Omar Aziz (PSD-AM). Por um senador da extrema direita, foi silenciada. Marcos Rogério (PL-RO) desligou o microfone para interrompê-la. Plínio Valério (PSDB-AM), que já falara anteriormente em enforcá-la (e segue impune), foi capaz de dizer que não respeitava uma ministra em agenda oficial no Legislativo. Desrespeitada ao cubo, em sinal de protesto e autocuidado, deixou a sala da audiência com a pilha de papéis que carregava.

O calhamaço de documentos sugeria disposição para o debate, algo que os senadores não demonstraram. Marina não é dona da verdade, mas sempre foi dedicada, coerente e capacitada na agenda de defesa do meio ambiente, dos povos originários e do desenvolvimento sustentável. Numa democracia, seus argumentos não só podem, como devem ser debatidos civilizada e respeitosamente. Isso não aconteceu nem na votação do projeto que desmonta, por flexibilizar demais, a legislação ambiental do país, nem na audiência tornada armadilha.

Por causa da brutalidade das Excelências, ela pôde vir a público em múltiplos palcos defender o que já fez e o que pretende fazer como titular do Ministério do Meio Ambiente. Diga-se, em ano de Brasil como sede da COP30, a conferência global do clima da ONU. Só quem não se preocupa minimamente com a agenda urgente da preservação ambiental e do enfrentamento às mudanças climáticas pode ser contra o que Marina diz sobre regramento cuidadoso e responsável em territórios de tamanha riqueza natural e humana.

Em meio a uma avalanche — orgânica — de solidariedade, a ministra e senadora ergueu a voz para defender posições técnico-políticas. Imprimiu vergonha nas costas dos homens que se empenharam em humilhá-la ou não a defenderam. Entrou enfraquecida pelo próprio governo, que a esconde e isola, “saiu mais fortalecida”, em suas próprias palavras. O que diz é ouvido e multiplicado, uma bem-vinda lufada progressista num ecossistema digital tomado por desinformação e ataques.

Também a aparente fraqueza e o repetido isolamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, podem resultar finalmente no necessário debate sobre o excesso de incentivos e desonerações fiscais, nunca enfrentado, quase sempre patrocinado pelo Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Hugo Motta, em cruzada contra a elevação do IOF pela equipe econômica, admitiu ontem rever isenções. A previsão para este ano na Lei Orçamentária é de R$ 544 bilhões em renúncias. Emendas parlamentares somam R$ 50 bi. Negociando bem, num campo e no outro, sob escrutínio da sociedade, dá para crescer protegendo o meio ambiente e gastar com eficiência, priorizando quem mais precisa. Foram todos eleitos para isso.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...