Mazza conta que seu objetivo sempre foi lutar contra o racismo por meio de livros que discutem as questões raciais
A InaLivros, livraria liderada por Luciana Bento e por seu marido, Leo, adquire títulos de diversas editoras brasileiras. Uma delas, destacada pela idealizadora do projeto “100 Meninas Negras”, é a Mazza Edições, sediada em Belo Horizonte. No mercado há quase 35 anos, a editora sempre dedicou cerca de 80% de seu acervo para a temática etnoracial. Antes de tudo, a empresa é fruto da garra e da persistência de Maria Mazarello Rodrigues,que deixou a cidade natal, Ponte Nova, para perseguir seu sonho na capital mineira. Hoje, a editora se orgulha de já ter publicado mais de 500 títulos voltados para a valorização e a representatividade do povo negro.
Maria Mazarello, a Mazza, defende que as editoras brasileiras só passaram a dar protagonismo ao negro em suas publicações depois da Lei 10.639, de 2003, que tornou obrigatório o ensino de questões raciais e africanidades nas escolas brasileiras, públicas e particulares. “Depois de 2003, todas as grandes editoras abriram um selo negro. Agora, você imagina, de 1981 a 2003, como era. A gente pastava. Eu entrava na escola pelas portas do fundo para tentar vender material”, conta a editora, hoje aos 74 anos.
“Isso acontecia, e ainda acontece, porque o Brasil não se reconhece como um país negro. Pior, se diz uma democracia racial, o que nunca foi. Então, fica essa hipocrisia, de que não existe preconceito, de que o negro reclama muito, enquanto a polícia persegue e mata jovens negros todos os dias”, reflete Mazza, que diz louvar ações afirmativas como o projeto “100 Meninas Negras”. “Todo projeto que trabalha sério no combate ao racismo é importante, porque é uma frente muito necessária”, completa a editora.
Mazza destaca discursos como o de MC Sofia, rapper mineira de 11 anos que versa contra o racismo em suas letras. “A moçada escuta as músicas dela e fica interessada. Estimula a criança negra, que sofre demais, a gostar de si mesma”, afirma. “Hoje, a realidade da criança negra no Brasil ainda é muito sofrida. Muitas não querem nem ir para a escola, porque sabem que o preconceito ‘come lascado’ e que a escola faz vista grossa. A criança é alvo de piada, fica marcada. E na escola particular ainda é pior, porque o número de crianças negras é bem menor”, diz.
Mazza conta que seu objetivo sempre foi lutar contra o racismo por meio de livros que discutem as questões raciais. “Meu sonho é levar esse material para cada vez mais gente, estimulando os autores negros, ou comprometidos com a questão racial, a escrever”, sublinha. “Tenho, por exemplo, uma coleção que se chama ‘De Lá Pra Cá’. Ela reconta as histórias infantis universais, mas com personagens negros. Fadas, príncipes e princesas, reis e rainhas. O primeiro livrinho é da Rapunzel, que é uma personagem sempre representada como branca. ‘Rapunzel, lance suas louras tranças para mim’, isso já limita a personagem a ser branca. Aí o príncipe também é branco e por aí vai. Fazemos o contrário. Todos são negros, para que criança se reconheça e trabalhe sua autoestima”, afirma.
Para Mazza, o Brasil vive um momento de retrocessos e avanços na questão racial. “Quando você vê gente falando que a Maju (jornalista da Globo) é feia, que o jogador é ‘macaco’, é porque o sucesso incomoda. É porque ainda querem o negro num lugar de subalterno”, reflete. “O que a gente não pode é desanimar. Trabalho desde os 4 anos, já era pra ter dependurado as chuteiras há tempos. Mas aí abro o jornal e vejo: ‘Polícia mata cinco jovens negros após confundi-los com bandidos’. Como eu paro? Não tem jeito. Não vou descansar. Quero morrer lutando pelo meu povo, fazendo a minha parte, deixando minha contribuição”.