Medo de violência já faz mães tirarem filhos de São Paulo

A onda de violência na periferia mudou radicalmente a vida da faxineira Maria (nome fictício), de 43 anos. Um de seus filhos, de 17, foi morto em julho por agentes das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), durante ação em uma favela na região de Sapopemba, zona leste. Após outro filho ser ameaçado por policiais e ficar sabendo que teria sido incluído em uma lista de futuras vítimas, ela mandou o rapaz morar em outra cidade.

A situação de Maria não é única. Só na zona leste paulistana há pelo menos dez perseguidos, segundo informações do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe). A situação se repete na Região Metropolitana de São Paulo. Há dois meses, o filho mais velho de Maria, de 24 anos, pegou algumas peças de roupa e saiu de casa na surdina, no meio da madrugada. Só assim, segundo ela, policiais da Rota pararam de ir até sua residência para amedrontá-la.

“Já tinham espancado ele no meio da rua e falado que só não mataram porque tinha muita gente”, afirma Maria. “Depois, eles vinham aqui no meio da noite, colocavam farol na minha cara e falavam que tinham achado uma moto do meu filho. Ele ficava escondido e eu falava que ele não tinha moto nenhuma, mas eles sempre voltavam.”

O primeiro filho foi morto em um barraco, com duas pessoas. Policiais da Rota alegaram que o trio trocou tiros. Na favela, porém, todos dizem que só os PMs atiraram. Afirmam que os boinas pretas cumpriram a promessa que fizeram uma semana antes: matariam a todos se encontrassem gente usando drogas. Testemunhas dizem ter visto, depois dos tiros, PMs chegando com uma sacola com armas e drogas, que depois foram apresentadas como sendo dos mortos.

Ao ver o carro cinza da Rota pelas ruas da região, Maria fica em pânico. “Não paro de tremer. Ainda tenho dois filhos pequenos vivendo comigo e tenho medo de deixá-los sozinhos e eles virem aqui.”

Tristeza. Em casa, Maria tenta preencher o vazio deixado pelo filho mais novo assistindo a um DVD com fotos dele, feito pela namorada. “Podia ser tudo mentira. Aquele corpo ser um boneco de cera e ele aparecer no carro da reportagem de vocês”, suspira, emocionada.

Do filho mais velho, mata a saudade pelo telefone. Na quinta-feira passada, tinha uma mala vermelha, pronta para enviar ao interior, com gel de cabelo, catchup, marmelada, xampu, desodorante. O rapaz trabalha como faxineiro e mora de favor com a namorada na casa de uma tia. Desconfiado, não quis muita conversa por telefone. “A polícia está matando demais, demais…”

A educadora Sônia (nome fictício), de 42 anos, também relata perseguição por parte de PMs da Rota. Segundo ela, o filho já foi detido por tráfico de drogas, mas hoje trabalha como motorista e não teria dado nenhum motivo para ser procurado por policiais. “Abordaram o vizinho e disseram para ele que meu filho estava em uma lista. Depois, ficaram rondando a minha casa”, relata Sônia. “Tentei convencê-lo a sair de casa, mas meu filho diz que não deve e que vai ficar.”

A conselheira do Condepe Cheila Ollala acompanha a situação de várias pessoas que estão sendo perseguidas pela polícia, assim como os filhos de Maria e de Sônia. “Temos outro caso de um menino que teve de sair da cidade pelo mesmo motivo”, diz, sem dar detalhes sobre a vítima. O critério para entrar na tal lista da morte seria ter no histórico pessoal qualquer problema com a Justiça.

O advogado Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que foi procurado por mães da região do ABC paulista. “A perseguição de pessoas por parte de policiais, simplesmente porque têm antecedentes criminais, pode configurar os crimes de abuso de autoridade e ameaça”, diz.

A PM afirma que as denúncias são graves e pede para que as vítimas se apresentem à sede da Corregedoria para prestar queixa.

Fonte: Estadão

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