Cicatrizes. 23 anos. 30 janeiro de 2010. Neste dia ganhei três marcas que estão no meu corpo por toda a vida. São elas: braço esquerdo com 5 pinos e 23 marcas decoradas com quelóides, um enxerto nas costas de 30×30 centímetros, na perna esquerda no mesmo tamanho para dar o tom. É, isso, foram 2 meses de hospital. Um carro passou por cima de mim e da minha autoestima. Mudou minha história, mudou meu corpo, mudou o meu “trepar”. Mudou tudo.
Texto de Gleyma Lima.
Eu fiquei um ano sem ir para praia por vergonha do meu corpo, um ano sem usar salto (nunca fui fã também rs), um ano sem usar calça jeans (amei e aprendi a comprar vestidos) , um ano sem beber e fumar (se você é da boemia vai te doer), e um ano e dois meses sem sexo porque achava que nunca mais alguém ia gostar de uma mulher defeituosa.
Num dia, uma amiga da minha mãe me perguntou como eu ia casar agora com esse corpo. Respondi: se você conseguiu meu bem, qualquer um consegue e soltei uma gargalhada. Ela foi embora. E, após isso, tive uma noite com choros e antidepressivos. Um dia, beijei um cara que se recusou a transar comigo. Disse que eu era legal, mas que ele não topava as minhas marcas. Mais um semana de choros, lagrimas e antidepressivos. Nas praias cariocas eu já não era mais admirada também. Doeu, rendeu lágrimas e remédios …
Eu poderia ficar aqui dizendo a vocês o quanto sofri e afirmar, com certeza, que não é nada diferente do que sofre uma mulher com estrias de gravidez, acima do peso, com celulite ou marcas de uma guerra. Em nome de uma beleza pré-montada, essa sociedade mata milhares de mulheres que se submetem a mesas cirúrgicas, com o objetivo de adequar-se a essa beleza irreal e vazia que é mostrada nas passarelas, revistas e novelas do Brasil .
Digo sim, do Brasil, pois hoje somos um dos campeões em cirurgias plásticas no mundo. Em nome dessa ” mulher” magra, de cabelo liso, peito e bunda grande. É por causa desse estereótipo machista que meninas/moças/mulheres contribuem ainda significativamente para aumentar o consumo de antidepressivos no País.
A minha história é para dizer a vocês que não é necessário mudar seu corpo, e sim, mudar de grupo, de homens/mulheres que vocês tem como amigos, peguetes, namorados, maridos ou afins que matam sua autoestima aos poucos. Alguém que julga um corpo é vazio. Você deve ter pressa e fome de conhecer gente livre desse tipo de julgamento idiota. Corra e grite contra isso!
Não é facil, eu sei. Quando o primeiro cara me rejeitou achei que não tinha mais jeito. Depois conheci um cara legal e fui para cama com ele. Antes, contei que tinha marcas, como seu eu tivesse duas vaginas ou duas cabeças. Disse: “Olha, eu durmo contigo, mas eu marcada e tals”. Ele tirou minha roupa e nem prestou atenção em nada (confesso que nem eu, depois de tanto tempo sem fazer). E, depois disse: “Olha, seguinte, tu tem que relaxar garota. Tu é gostosa. É uma mulher. E as marcas são lindas porque mostram sua força. Vão te julgar a vida toda, se tu for gorda/magra, velha ou nova, negra ou branca. Você tem que se livrar do preconceito contra você mesma”. E, assim, ficamos amigos e segui meu caminho.
Ah, esse momento me transformou em uma mulher que hoje não tem medo de transar, trepar, fazer amor na primeira ou na décima noite. Hoje, coloco biquíni, mini-saia, shorts curto, calcinha sexy, blusa sem manguinha. Amo minhas marcas, amo a mulher que me tornei, sabe.
Depois dele, tive alguns outros homens/namorados/peguetes/casos e nenhum deles julgou meu corpo, meus quilos a mais ou a menos. Tivemos inúmeras brigas, tiveram traições, tiveram desamores, teve amor demais, tiveram incompatibilidades e até barraco para apimentar. Porém, nunca questionaram minhas marcas, nunca deixaram de me desejar. Sim, após meu acidente aprendi a me relacionar com homens que não deixam jamais de chamar uma dama de “louca” numa briga e que nunca olham só uma questão de um ser humano. A todos, meu muito obrigada. Vocês merecem mulheres de corpo e alma.
As marcas me levaram a homens melhores, a amigos mais nobres, a trabalhos mais bonitos e a transar de luz acesa. Ah, me obrigaram a realizar meus sonhos e a me respeitar acima de tudo e atrair o respeito para minha vida. Hoje, eu sou feita de corpo, alma, coragem, teimosia e um corpo personalizado como todo o gênero que habita este planeta. Somos todos indivíduos individuais deste universo.
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Gleyma Lima é Cearense, jornalista e feminista por imposição da periferia. Morou no continente africano e trabalha desde sempre com projetos sociais.
Fonte: Blogueiras Feministas