Minha transição capilar

Eu tenho 22 anos e lembro da primeira vez que fiz um relaxamento (química para “soltar” os cachos) foi aos 12. Eu inclusive fiquei frustrada pois não tive o resultado que imaginava, não fiquei totalmente sem volume. E o volume era algo que me matava por dentro, pois eu achava meu cabelo feio! Como as pessoas adoravam dizer, eu sentia que meu cabelo era coisa de bruxa (e diziam isso mesmo com ele preso), eu o mantinha por isso sempre “trancado”, assim como eu me mantinha fechada no meu universo triste e solitário.

Por Stephanie Ribeiro, no The Black Cupcake

Eu só soltava o cabelo quando era criança, em momentos onde a pressão da minha mãe para isso era tão grande que eu cedia, era quase um evento usar meu cabelo solto. De tanto que eu temia que me vissem com ele “armado”, dava pra contar nos dedos às vezes ao ano que eu soltava meu cabelo do rabo de cavalo. Em casa escondida, eu gostava de amarrar tecidos na cabeça e fingir que eu tinha cabelos longos e lisos. Era minha brincadeira preferida com a minha irmã, fora isso ficava horas penteando minhas barbies todas com cabelos lisos e loiras, pensando como eu era infeliz por ter o cabelo diferente do delas.


A escola nunca foi um ambiente feliz para mim, mesmo com 7 anos eu escutava as piadinhas — Seu cabelo quando não está preso, está armado. E por isso ele ficou anos e anos preso, tanto que eu comecei a ficar com queda de cabelo bem na parte superior do meu rosto.


Paralelo a queda e ao enfraquecimento do meu cabelo, eu me aventurei a participar de concursos e testes para ser modelo. Foi aos 13 anos que fiz minhas primeiras fotos, e que me enxerguei pela primeira vez na vida, como bonita mesmo com aqueles cabelos crespos que eu repudiava. E eu lembro até hoje, como na sessão de fotos todos elogiavam o meu cabelo, os cabeleireiros, os fotógrafos, maquiadores. Mas nem depois dessa ocasião eu cedia aos apelos para deixá-lo respirar mais solto, mais livre… Eu achava que as fotos tinham “melhorado” o que eu era, mas no dia-a-dia era outra coisa. Olha que loucura! Minha mente era incapaz de aceitar minha própria beleza.


Como eu estava ficando com queda capilar e já tinha passado por várias questões. Resolvi então soltar o cabelo e aceitar que eu podia ser bonita com ele. Isso só aos 15 anos no primeiro colegial. Entretanto, recebi outros tantos apelidos. É importante frisar que até então eu nunca tinha beijando ninguém, os meninos não me chamavam nem para sair e nem para ficar no muro do colégio. A minha estética vinha sendo apreciada por mim, com muito penar. Entretanto as pessoas ainda insistiam me ver como alguém feio.


Devido a isso comecei a investir forte no relaxamento. Quando entrei no cursinho, num ambiente elitizado me senti pior ainda por conta do meu cabelo e fiz um relaxamento seguido de chapinha. E nesse dia minha vida mudou. O que aconteceu foi que meu cabelo caiu, e foi caindo mais e mais. E eu fui perdendo meu cabelo, que já estava ralo, quebradiço, desidratado e sem volume por conta do excesso de química do relaxamento. Eu só chorava e fiquei extremamente deprimida, se antes eu me achava feia. Imagina sem cabelo! Eu me senti condenada ao eterno ostracismo e ao exílio emocional, minha vida social parecia ter acabado antes mesmo de começar.


Já era 2011 e tinha toda a pressão para passar no vestibular, eu então resolvi cortar meu cabelo curto, entretanto, ele curto ficava mais armado. E eu me senti mais feia ainda, era como se eu mesmo sabendo que era bonita até para o mercado da moda, não conseguisse ver isso no espelho. Eu me escondia, evitava roupas chamativas, acessórios e fotos.


Eu passei metade do ano alisando meu cabelo então curtinho, era escova e depois chapinha. Todo dia. Com a finalidade de “esconder” aquela realidade curta e armada que pairava sobre minha estética naquele momento.


Eu poderia dizer que um dia acordei e me senti linda. Mas não, na verdade como eu passei no vestibular (entrei na faculdade em 2012) meu cabelo não podia ser mais tratado durante horas pra ser liso, então eu adotei o chamado “black”, por praticidade. E por ser uma outra cidade, com pessoas desconhecidas eu simplesmente achei que não iria me importar. Mesmo assim, a primeira vez que alguém me chamou pra sair, pensei em alisar.


Mas eu assumi o que eu era.

E depois assumi mais uma vez.

E ai eu achei ele lindo.

Deixei ele crescer, mudei de cor, voltei pro preto.

Fiz mechas.

Pintei.

Cortei.

Prendi de lado.

Fiz coques.

Soltei.

Atualmente eu faço selfies, vídeos, qualquer coisa! Não tenho mais vergonha do que eu sou. Eu amo meu cabelo, mais do que isso: eu me amo. Só hoje vejo quanto minha estética e estilo são lindos, meu cabelo é prático e super fácil de ficar arrumado, enquadra meu rosto e me deixa bonita. E já fazem quatro anos que eu nunca mais passei uma chapinha nele. Não preciso mais usar a chapinha como defesa para o racismo das pessoas, posso respondê-las com tudo que aprendi no processo de empoderamento. Acho todo esse processo que passei importante para maturidade e identidade que estou construindo, mas no fundo se um dia tiver filhos, espero que eles nunca acreditem que são menos, do que são. Como eu passei anos acreditando.

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