Morte de nigeriano agredido na rua na Itália causa revolta e chega a debate eleitoral

Enviado por / FonteDa Folha de S. Paulo

Vídeo do crime publicado nas redes sociais mostra pedestres em volta da cena; autor foi preso e não deve responder por racismo

O assassinato de um vendedor ambulante nigeriano na última sexta-feira (29) na Itália gerou indignação e, em meio às discussões para a eleição no país, intensificou debates sobre o racismo e políticas de imigração.

O caso ocorreu na cidade de Civitanova Marche, 245 km a nordeste de Roma, e chamou a atenção depois de vídeos da cena serem publicados nas redes sociais. Em via pública e à luz do dia, sob o olhar de outros passantes, Filippo Ferlazzo, 32, espancou Alika Ogorchukwu, 39, até a morte.

De acordo com a versão do italiano, o vendedor ambulante teria flertado com sua namorada —versão contestada pelas investigações iniciais da polícia— e insistido para que ela desse alguma esmola. Duas testemunhas disseram que Ferlazzo correu atrás de Ogorchukwu, arrancou sua muleta e o agrediu na cabeça com ela.

Caído devido ao golpe, o nigeriano continuou a ser agredido; os vídeos postados na internet mostram esse momento, com o italiano aparentemente estrangulando o vendedor ambulante, que, por baixo, tenta em vão se soltar. As agressões, segundo a imprensa local, duraram de três a quatro minutos.

O italiano depois teria tomado o celular da vítima e saído andando. Chamadas ao local, equipes de resgate não conseguiram socorrer o nigeriano. Relatório inicial da polícia apontou o espancamento como causa da morte, mas o corpo vai passar por autópsia para que se verifique se Ogorchukwu morreu devido a um quadro de asfixia.

Ferlazzo foi preso logo após as agressões e responderá por roubo e homicídio doloso. De acordo com a imprensa italiana, porém, ele não será autuado por racismo. “A situação é bastante clara; tudo parece ter surgido de uma disputa por motivos fúteis, não por racismo”, disse Matteo Luconi, um dos investigadores.

Ogorchukwu morava a 50 quilômetros de Civitanova Marche, mas ia todos os dias à cidade para vender pequenos itens, como isqueiros e lenços. Paralelamente, pedia esmola a pedestres. Ele tinha dois filhos, de 8 e 10 anos, e vivia com a esposa. Há um ano, segundo o jornal Corriere della Sera, sofreu um acidente e, desde então, precisava do apoio da muleta. “Só quero justiça para meu marido”, afirmou Charity Oriachi.

Neste sábado (30), Ferlazzo pediu desculpas à família da vítima por meio de seus advogados. Ele não tem antecedentes criminais, e a defesa pretende pedir um laudo psiquiátrico.

Em Civitanova Marche, centenas de pessoas foram às ruas protestar contra o crime, incluindo italianos e membros da comunidade africana da região. Muitos questionaram a omissão dos passantes que testemunharam as agressões.

A deputada Laura Boldrini, do Partido Democrático, de centro-esquerda, engrossou essas críticas. “Um homem foi morto na rua com violência brutal enquanto testemunhas filmavam a cena. Don Albanesi está certo: o racismo, a indiferença e a raiva encontram uma saída nos mais fracos”, disse, fazendo referência a declarações de um padre italiano sobre o caso.

No cenário eleitoral —o país se prepara para um pleito legislativo antecipado, após a renúncia do premiê Mario Draghi—, o caso repercutiu devido à plataforma anti-imigração do partido que lidera as pesquisas de intenção de voto, o Irmãos da Itália.

Giorgia Meloni, líder da agremiação, e o ultradireitista Matteo Salvini, da Liga, criticaram o que chamaram de tentativa de politizar o caso. “Espero que o assassino pague caro por esse homicídio hediondo”, escreveu Meloni, ao pedir orações pela vítima. Em um tuíte, Salvini associou o assassinato de Ogorchukwu à insegurança. “Cidade em desordem, violência de dia e de noite, não aguentamos mais: a segurança não tem cor, a segurança deve voltar a ser um direito.”

A Liga e o Irmãos da Itália ensaiam uma coalizão com o Força, Itália, de Silvio Berlusconi, para o pleito de setembro.

Se guarda semelhanças com o caso de Geroge Floyd nos EUA, o crime na Itália remete ainda a um ataque a tiros de um extremista contra seis imigrantes, em fevereiro de 2018. Na época, o país também se preparava para eleições, com políticas anti-imigratórias defendidas por Salvini.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...