Limonada fresca é minha bebida de escolha. Na minha pequena cidade do Kentucky, meninas bonitas, pretas, marrons e brancas arruman suas barraquinhas de limonada e praticam a arte de fazer dinheiro – são negócios. Como uma mulher negra crescida que acredita no manifesto “Garota, arrume o seu dinheiro” minha primeira reação ao álbum visual de Beyoncé, Lemonade, foi UAU-este é o ápice do negocio capitalista de se “fazer dinheiro”.
Tradução de Rafael Whig no Negro Neguslimon
Os espectadores que gostam de sugerir que Lemonade foi criado exclusivamente ou principalmente para o público feminino preto estão perdendo o ponto. Commodities, independentemente do seu assunto, são feitas, produzidas e comercializadas para atrair qualquer e todos os consumidores. A audiência de Beyoncé é o mundo e o mundo dos negócios, e ganhar dinheiro não tem cor.
O que torna essa produção -isto é, este commoditie – desafiadora é o seu tema. Obviamente Lemonade explora imagens positivas de corpos de mulheres negras sendo colocados no centro, tornando-os norma.
Nesta narrativa visual, existem diversas representações (corpos femininos negros vêm em todos os tamanhos, formas e texturas com todos os tipos de cabelo grande). Retratos de mulheres negras diárias comuns estão em destaque, vestidas como se fossem a realeza. As mãe sem nome de rapazes negros assasinados, tem cada uma um lugar de orgulho. Imagens da vida real, corpos sobre peso não vestidos, são colocados em um pano de fundo visual que inclui representações fantasiosas, estilizadas e coreografadas.
Apesar de todo o mostruário glamouroso da moda antebellum Deep South, quando o show começa Beyoncé aparece em uma roupa casual desportiva, o moletom controverso. Ao mesmo tempo, a imagem dançante da atleta pouco vestida Serena Williams também evoca sportswear.
(Falando de mercantilização, na vida real a nova linha de de sportswear de Beyonce, Ivy Park, está a caminho de ser comercializada agora).
Lemonade oferece aos telespectadores uma extravagancia de exibição de corpos femininos pretos que transgridem todos os limites. É tudo sobre o corpo, e o corpo como mercadoria. Isto certamente não é radical ou revolucionário. Da escravidão até os dias atuais, corpos femininos pretos, vestidos e despidos, foram comprados e vendidos. O que torna esta mercantilização diferente em Lemonade é a intenção; o seu objetivo é seduzir, comemorar, e deleitar-se a desafiar a contínua desvalorização do dia a dia e a desumanização do corpo feminino preto. Ao longo de Lemonade o corpo feminino preto é totalmente estetizado, sua beleza é como uma poderosa forma de confrontamento. Esta não é uma oferta nova. Imagens como estas foram vistas pela primeira vez no inovador “Daughters of the Dust” filme de Julie Dash e gravado pelo brilhante cineasta Arthur Jafa. Muitas das imagens estáticas em preto e branco de mulheres são uma reminiscência da fotografia contemporânea transformadora e inovadora de Carrie Mae Weems. Ela tem continuamente oferecido revisão radical descolonizada do corpo feminino preto
É o escopo amplo da paisagem visual de Lemonade que o torna tão distintivo, é a construção de uma irmandade negra poderosamente simbólica que resiste a invisibilidade, que se recusa a ficar em silêncio. Isto em si não é pouca coisa, ele muda o olhar da cultura dominante branca. Ele nos olha como se fosse a primeira vez, a revisão radical de como vemos o corpo feminino preto. No entanto, este reposicionamento radical de imagens negras não verdadeiramente ofuscam ou alteram construções sexistas convencionais de identidade feminina negra.
Mesmo que Beyoncé e seus colaboradores criativos oferecam imagens poderosas e multidimensionais da vida feminina preta, grande parte do álbum fica dentro de um quadro estereotipado convencional, em que a mulher negra é sempre uma vítima. Embora com base na experiência da vida real de Beyoncé, Lemonade é uma narrativa de ficção de fantasia com Beyoncé estrelando como o personagem principal. Este trabalho começa com uma história de dor e traição destacando o trauma que ela produz. A história é tão antiga como a balada de “Frankie e Johnny” ( “ele era meu homem okay, mas ele me fez mal”). Como o Frankie ficcional, o personagem de Beyoncé responde a traição de seu homem com raiva. Ela provoca violência. E mesmo que o pai na canção “Daddy Lessons” lhe dá um rifle alertando-a sobre os homens, ela não atira em seu homem. Ela veste um vestido amarelo dourado magnificamente concebido, corajosamente através da rua com um taco de beisebol na mão, quebrando aleatoriamente carros. Nesta cena, o personagem quase deusa de Beyoncé é sexualizado, juntamente com seus atos de violência emocional, como Wagner na “Cavalgada das Valquírias”, ela destrói sem vergonha. Entre as muitas mensagens misturadas embutidas em Lemonade, está a celebração da raiva. Presunçosa e sorrindo em seu traje dourado, Beyoncé é a personificação de um poder feminino fantástico, que é exatamente isso: pura fantasia. Imagens de violência feminina minam a mensagem central incorporada em Lemonade, que a violência em todas as suas formas, especialmente a violência de mentiras e traição, dóem.
Contrariamente às noções equivocadas de igualdade entre os sexos, as mulheres não vão tomar o poder e criar auto-amor e auto-estima por meio de atos violentos. Violência feminina não é mais libertador do que a violência masculina. E quando a violência é feito para ser sexy e erotizada – como na cena da rua com seu vestido sexy – isto não serve para minar o sentimento cultural predominante de que é aceitável usar a violência para reforçar a dominação, especialmente nas relações entre homens e mulheres. A violência não cria uma mudança positiva.
Mesmo que Beyoncé e seus colaboradores criativos façam uso da poderosa voz e das palavras de Malcolm X para enfatizar a falta de respeito pela feminilidade negra, simplesmente apresentando belos corpos negros não cria uma cultura justa de melhor bem-estar, onde mulheres negras pode se tornar totalmente realizadas e serem verdadeiramente respeitadas.
Honrar a si mesmos, amando nossos corpos, é uma fase adequada na construção de auto-estima saudável. Este aspecto de Lemonade é bastante afirmativo. Certamente, testemunhar a senhora Hattie, a avó de 90 anos de Jay-Z, dando seu testemunho pessoal dizendo que ela sobreviveu por tirar suco dos limões que a vida entregou-lhe e fazendo limonada deles, é incrível. Todas as referências que honram nossos antepassados e anciãos em Lemonade conseguem nos inspirar. No entanto, concluir esta narrativa de dor, traição e inquietação com imagnes de família e sua casa não servem como formas adequadas para reconciliar e curar qualquer trauma.
Ao mesmo tempo, no mundo de se fazer arte, uma criadora feminina negra poderosamente posicionada como Beyoncé pode tanto criar imagens e a apresentar a seus espectadores quanto sua própria interpretação do que essas imagens significam. No entanto, sua interpretação não pode ficar como verdade. Por exemplo, Beyoncé usa sua voz não-ficcional e persona para reivindicar o feminismo, mesmo que seja para reivindicar, como ela faz em uma edição recente da revista Elle, “para dar clareza ao verdadeiro significado” do termo, mas sua construção do feminismo não pode ser confiável. Sua visão do feminismo não põe um fim à dominação patriarcal. É tudo sobre insistir em direitos iguais para homens e mulheres. No mundo do feminismo fantasia, não há hierarquias de classe, sexo e raça além da divisão simplificada de mulheres e homens, não há uma chamada para desafiar e mudar os sistemas de dominação, não há ênfase na interseccionalidade. Em uma visão de mundo tão simplificada, as mulheres que ganham a liberdade de ser como os homens, podem ser vistas como poderosas. Mas é uma falsa construção de poder já que tantos homens, especialmente os homens negros, não possuem poder real. E, de fato, é evidente que a crueldade masculina preta e violência contra as mulheres negras é um resultado direto da exploração patriarcal e opressão.
Em seu mundo fictício, Beyoncé pode nomear a dor da mulher negra, de maneira pungente já articulada pela poesia apaixonada da poeta Somali-britânica Warsan Shire, e mover-se através de palcos fortificada por palavras impressas: Intuição, a negação, o perdão, esperança, reconciliação. Neste mundo fictício, a dor emocional da mulher negra pode ser exposta e revelada. Pode ser dada voz: esta é uma fase vital e essencial da luta pela liberdade, mas não trazem um fim à exploração e dominação. Não importa o quão duro mulheres em relacionamentos com homens patriarcais trabalhem para trazer mudança, o perdão e a reconciliação, os homens devem fazer o trabalho de transformação interna e externa para a violência emocional contra mulheres negras acabar. Não vemos esses indícios em Lemonade. Se a mudança não é mutua a dor emocional fêminina pode até ser dada sua voz, mas a realidade de homens infligindo dor emocional ainda vai continuar (podemos realmente confiar nas imagens caridosas de Jay Z que concluem esta narrativa?).
Somente quando as mulheres negras e todas as mulheres resistirem a romantização patriarcal da dominação nas relaçõe, poderá um amor-próprio saudável emergir e permitir que cada mulher negra, e todas as mulhres, recusem-se a ser uma vítima. Em última análise, Lemonade glamoriza o paradoxal mundo das contradiçoes culturais entre generos. Ele o não resolve. Como Beyoncé proclama orgulhosamente no hino poderoso “Freedom”: Eu tive meus altos e baixos, mas eu sempre encontrava a força interior para me levantar”, para ser verdadeiramente livre, devemos escolher além de simplesmente sobreviver a adversidade, devemos ousar criar vidas sustentadas no bem-estar e em uma alegria ideal. Nesse mundo, o ato de fazer e beber limonada será refrescante e azedo, uma mistura da vida real do amargo e do doce, e não uma fala sobre nossa capacidade de suportar a dor, mas sim uma celebração da nossa capacidade de se mover. Além da dor.
-bell hooks