Mulher e poesia na obra de Niemeyer

Niemeyer é um homem que ama demais, a um ponto de exalar ternura e sensualidade em concreto!
Por: Fátima Oliveira

 

Autor de marcos e cartões postais na arquitetura mundial, o carioca Oscar Niemeyer fez cem anos em 15 de dezembro. Com lucidez perigosa e refinada pelo gostar de filosofia, disse: “A gente quer se informar melhor sobre tudo, aprender outras coisas. O importante é a pessoa ser curiosa. Não é o interesse de um intelectual, é o interesse de um sujeito normal que sente a vida, que é solidário e que acha que o mundo pode ser melhor”.

O que dizer de quem, aos cem anos, idealiza e vibra com uma nova revista, a “Nosso Caminho”? “É uma revista assim, aberta para o conhecimento… A idéia que dá é o nosso caminho para frente. Nessa revista, a arquitetura tem uma terça parte, o resto são artigos variados, filosofia, história, letras.”

 

Niemeyer é um homem que ama demais, a um ponto de exalar ternura e sensualidade em concreto! Além do rasgado e profundo amor ao povo, é um inveterado adorador de mulheres e, marotamente, quando indagado por que se casou aos 99 anos, declara: “É sempre importante estar ao lado da mulher que se ama”.

Na entrevista a Paulo Henrique Amorim (PHA), na biblioteca do arquiteto, está dito que, “diante da cadeira dele, há uma fotografia de um amigo francês e três mulheres nuas, numa praia no sul da França. Duas de barriga para cima e uma de barriga para baixo. Quando PHA lhe perguntou sobre a foto, Niemeyer falou: ‘É uma beleza'”.

Niemeyer arquiteta apologia às femininas curvas do seu tripé de inspiração: mulher, biologia e natureza, e verbaliza poesia: “Como é mágico ver surgir na folha branca de papel um palácio, um museu, uma bela figura de mulher! Como as desejo e gosto de desenhá-las! Como as sinto nas curvas de minha arquitetura”. Há cintilante erotismo brechtiniano na obra de Niemeyer: “Diz que ousar na queda lhe é permitido/ Desde que entre o céu e a terra flutue” (“Da sedução dos anjos”, in “Da Sedução – Poemas Eróticos de Bertolt Brecht”).

Para o arquiteto italiano Renzo Piano, a arquitetura de Niemeyer “canta, tem voz e as cidades necessitam de edifícios que cantem”. O arquiteto Ítalo Campofiorito disse: “Ele faz obras tão grandes que acabam se tornando a marca, a cara, a personalidade de uma cidade”. Na entrevista a PHA, Niemeyer ousou dizer: “Se você concordar que nós fazemos arquitetura para o poder, a arquitetura não chega aos barracos. Então, a arquitetura que deve crescer em função da técnica e da sociedade, está faltando essa parte. Ela evoluiu, a arquitetura hoje é mais rica, imensamente mais rica, como solução técnica do que antigamente. Mas continua voltada para os que têm direitos à arquitetura, às classes mais favorecidas. O pobre está na favela olhando os palácios”.

Desejei, com ardor, uma “casa Niemeyer”, com a qual ainda sonho. Quando fui morar em São Luís do Maranhão, certa vez, no ônibus, nas imediações do Canto da Fabril, a mulher do meu tio, simples donade- casa de pouco estudo, disse-me: “Presta atenção! Vamos passar na frente da casa feita por Oscar Niemeyer, aquele que fez Brasília”. Era 1968. A “casa Niemeyer”, referência do belo e do inusitado, tem os fundos, ao contrário das demais, para a avenida Getúlio Vargas! Eu a amo, só de ouvir dizer como é. Jamais entrei nela. Em São Luís, também de sua lavra, há uma ode à liberdade, o Memorial Maria Aragão.

Morando em Belo Horizonte desde 1988, apreciar o conjunto arquitetônico da lagoa da Pampulha virou mania necessária para renovar energias e inspiração. Uma vez por mês, pelo menos, reservo um fim de tarde para uma “volta completa na lagoa”, com direito a paradinhas e descidas na Casa do Baile e na igreja de São Francisco, onde bebo também Portinari… Minha prole, incluindo o neto e a neta, amam! E depois? Páro no Redondo para uma cervejinha de frente pra lagoa, que ninguém é de ferro!

 

 

Fonte: Tá lubrinando – escritos da Chapada do Arapari

+ sobre o tema

Detenção de Mano Brown exemplifica a mensagem de Cores e Valores

Pedro Paulo Soares Pereira, 44 anos, também conhecido como...

Nota da coalização negra por direitos sobre o Covid-19

Estamos às portas de uma grave crise, com o...

Zeca – por Cidinha da Silva

Por Cidinha da Silva O homem montado no quadriciclo engana...

Mulheres Negras ocupam hoje as ruas de São Paulo em marcha

Negras marcham contra as opressões de raça, gênero e...

para lembrar

1,5 milhão de mulheres negras são vítimas de violência doméstica no Brasil

Elas representam 60% das 2,4 mi de agredidas. Reportagem...

Black power: os negros na eleição de Salvador

Hamilton Silva, do PSOL, quer ser prefeito de...

Museu Afro Brasil ganha APCA 2009

S. Paulo - O Museu Afro Brasil - Organização...

Todos podem ter vida digna já, diz criador do Fórum Social Mundial

Outro mundo ainda é possível? Diante da trajetória recente...

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=