Mulheres negras e a luta pelo poder

Minha pele negra é como a cor da noite
Retrata a beleza da minha gente
Mas segue invisível aos olhos de tantos…
Meu corpo marcado, profundamente marcado pela desigualdade,
patriarcado, e preconceito racial
Meu corpo profundamente marcado
samba na perspectiva do horizonte revolucionário.”
Edna, A. S

Por Anaíra Lobo e Gabriela Silva Do Marcha Mulheres

O dia 13 de maio foi marcado pela 1ª Marcha de Mulheres Negras da Bahia, contra o racismo e a violência, e pelo bem viver. Com certeza foi um dia histórico para nós mulheres negras, que estávamos em marcha, lutando pelo fim do genocídio do povo negro, seguindo os passos das nossas ancestrais que protagonizaram a luta pela nossa liberdade.

Este dia é considerado o Dia Nacional de Denúncia do Racismo, já que no Brasil tivemos uma falsa abolição da escravatura negra, no qual foi nos dada a carta de alforria, depois de muita revolta e levantes, mas os negros e as negras foram empurradas para a margem da sociedade, negadas ao direito à humanidade, dignidade e a própria vida! Sem acesso à terra, moradia, saúde e educação, continuamos tendo que lutar diariamente para garantir as condições básicas para sobreviver, e ainda enfrentar o extermínio do nosso povo como política do Estado racista. A nossa liberdade ela é forjada, por nossas próprias mãos, com nossas armas ao longo de muitas gerações. Mas enquanto não houver justiça, enquanto nossos direitos forem negados, enquanto houver racismo, o povo preto não será livre!

O que legitima o Estado a ser o principal protagonista do genocídio do povo negro? Porque somos mais de 70% da população brasileira, mas não estamos nos espaços de poder? O que significa o alto índice de desemprego entre as jovens negras? O Brasil foi forjado pelo instrumento do racismo e patriarcado, sistemas de dominação que organiza nossas vidas, que dita em que lugares devemos estar para produzir riquezas e operar os mais diversos tipos de violências. O genocídio do povo negro começou no momento em que fomos trazidos de África como mercadoria, objeto de compra e venda, animais a serem escravizados e abatidos. Encarados como apenas um instrumento de trabalho à serviço da acumulação de riquezas por uma minoria racial– a elite branca europeia. Essa lógica se reproduz até hoje e adquire novas contornos.

Não é de agora que assistimos o extermínio dos/as jovens negros/as das periferias do nosso país. A banalização do genocídio não pode acontecer, não devemos tratar essa situação como normal, a indignação precisa estar dentro de nós, mas também a força e a organização para lutar contra. Para a grande mídia e para o Estado, algumas vidas têm mais valor que outras e o mito da democracia racial é o que garante a justificativa e o escamoteio dos verdadeiros motivos pelos quais o Estado Brasileiro mata mais jovens negros no Brasil do que nos principais conflitos bélicos do mundo.

Falar do extermínio do povo negro é falar também da vida das mulheres, pois estamos afirmando que o patriarcado e o racismo estruturam a nossa sociedade, são instrumentos de dominação. O controle da vida e do corpo das mulheres é fundamental para a manutenção da exploração e apropriação da sociedade capitalista-patriarcal-racista. E nesse aspecto, os abortos clandestinos acontecem a todo o momento, e a morte dessas mulheres não estão fora do que chamamos de genocídio. A cada 9 minutos morre uma mulher vítima de um aborto clandestino feito em péssimas condições, e essas mulheres que morrem são, em sua maioria, negras e pobres, sofrem do início ao fim com métodos que violam seu corpo e lhe deixam as piores marcas, além de serem criminalizadas e colocadas na ilegalidade. Não legalizar e descriminalizar o aborto são uma das formas que o Estado arranja para assassinar as mulheres pretas e pobres!

Temos assistido nesse último período uma grande ofensiva aos nossos direitos conquistados, orquestrada por aqueles que se beneficiam do Sistema Político Brasileiro – os conservadores, neoliberais, fundamentalistas e inimigos do povo – que desde a ditadura apoiam e reforçam o modelo de segurança pública nacional que tem heranças coloniais ainda não revistas. O congresso mais conservador desde a redemocratização do país está dirigindo ações que atacam de forma drástica a vida da população negra e jovem! A viabilidade da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, com o intuito de ampliar os lucros com a segurança pública, foi um verdadeiro golpe. A redução da maioridade penal é inconstitucional e desumana!

Além disso, os projetos de terceirização e as medidas provisórias aprovadas recentemente vêm para reforçar essa estrutura e fazer retroceder o pouco de avanço conquistado pela classe trabalhadora. Os postos de trabalhos das mulheres negras são os mais explorados, muitas vezes sem garantia dos direitos trabalhistas, por estarem em situação de terceirização e precarização. O Projeto de Lei 4330 (agora PLC 30) ataca diretamente a vida das mulheres negras, por intensificar a situação cruel a que são submetidas, à desumanização do trabalho, à intensa rotatividade.

Somos um movimento de mulheres que defende um projeto de sociedade de igualdade, justiça e liberdade. E para isso precisamos enfrentar e destruir o capitalismo racista e patriarcal. Portanto, as mulheres tem que estar cada vez mais organizadas, transformando as reivindicações em bandeiras políticas do povo brasileiro, construindo a força social do projeto feminista e popular. Só a luta muda a vida do povo, só com ações que alterem a correlação de forças e incidam na realidade concreta, venceremos. É tarefa de todo movimento feminista se inserir nas agendas e lutas do povo negro, para construirmos a unidade necessária para por fim a tal estado de coisas.

A luta pela liberdade é a luta pelo poder, queremos ser protagonista da nossa história, queremos mudar os rumos do nosso país, as regras do jogo, queremos decidir qual projeto político é melhor para o nosso povo. A subrepresentação dos negros e das negras no Congresso Nacional é nítida, somos apenas 6%, sendo que dessa parcela apenas 2,2% são mulheres negras, ratificando a necessidade de ocuparmos esses espaços de decisão política, o que torna cada vez mais necessário defendemos uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, uma constituinte negra, com a cara da Juventude, feminista, LGBT e Popular!

Povo negro unido, povo negro forte, que não teme a luta, que não teme a morte!

*Anaíra Lobo e Gabriela Silva são militantes do Núcleo Negra Zeferina da Marcha Mundial das Mulheres da Bahia

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