Mulheres negras marcham pela democracia e pelo futuro

No Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha – 25 de julho – nesta quinta-feira, as mulheres negras, cerca de 25% da população brasileira, tomam as ruas para denunciar a violência a que são submetidas diariamente no país e na América Latina.

Por Marcos Aurélio Ruy, Do Vermelho

Pintura de  três mulheres negras de tonalidades diferentes
(Foto: Imagem retirada do site Vermelho)

Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no Brasil. Somente em 2018, foram registrados 4.254 assassinatos de mulheres no Brasil, 1.173 dos quais como feminicídio, assassinato motivado por ódio pela condição de ser mulher.

Para Mônica Custódio, secretária da Consciência Negra da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) “ser mulher, ainda hoje, é saber e ter a consciência da luta pelo respeito e dignidade como uma pílula diária. Ser mulher negra, é um tanto mais intenso, porque a dose desse remédio diário se faz mais necessária pela possibilidade de se manter viva… só mais um dia”.

Como mostra o Atlas da Violência 2019, do FBSP, “75,5% das vítimas de assassinato em 2017 eram negros. Sinaliza ainda que as pessoas negras ou pardas têm no Brasil 2,7 maiores chances de serem assassinadas do que os não negros.

De acordo com o Atlas, foram registrados 65.602 homicídios em 2017, sendo 35.783 jovens, a maioria negros, pobres e da periferia. Essa “política de genocídio corresponde a uma estratégia que tem se apresentado nas estatísticas de desemprego, de redução de investimentos em educação, saúde, moradia, e com a explosão da violência nos grandes centros urbanos”, reforça Mônica.

Para ela, “é uma tática que mata três humanos em uma cajadada só, nossos filhos, companheiros, é nós mulheres negras” e complementa: “Tiram nossas vidas, a possibilidade de construção de futuros e de viver a sua humanidade plena”.

Mônica conta que haverá a Marcha das Mulheres Negras no Rio de Janeiro, no domingo (28), com o tema “pela vida, pela não criminalização da pobreza, é em defesa da liberdade religiosa”. A ativista afirma que “não podemos passar mais 130 anos (referindo-se à abolição da escravatura, em 1888) precisando provar nossa humanidade”, por isso, “não cansaremos de gritar que as vidas negras importam, até o sistema nos enxergar”.

Gicélia Bitencourt, secretária da Mulher da CTB-SP, anuncia a Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, nesta quinta-feira (25), com concentração às 17h30, na Praça da República. “Marchamos por dignidade, educação, emprego, aposentadoria e saúde. Por um mundo sem violência e por igualdade de gênero”, diz.

Mas sobretudo, neste momento, “marchamos contra os retrocessos e o descaso do desgoverno Bolsonaro com os mais pobres”. E, especificamente em São Paulo, “marchamos com indignação aos atos do governo estadual, comandado pelo desenfreado liberalismo de João Doria, além de combatermos a política excludente do prefeito da maior cidade do país, Bruno Covas”.

Mundo do trabalho discricionário

Os dados são desoladores, mas a resistência e a fibra dessas mulheres é muito maior que o desafio proposto. Dados do do Relatório Panorama Social de América Latina 2018, feito pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), dão uma ideia das dificuldades colocadas pelo patriarcado nesta parte do hemisfério sul, ainda mais agora com o ultraliberalismo se fortalecendo.

O levantamento aponta um mercado de trabalho sexista, racista e LGTBfóbico. Em 2016 (ano em que as políticas de promoção da igualdade de gênero ainda prevaleciam em boa parte dos países), a taxa de desemprego era de 10,4% entre mulheres e de 7,6% entre homens. No mesmo ano, 48,7% das mulheres recebiam menos que o salário mínimo. Entre os homens o índice era 36,7%.

“Exatamente por essa discrepância que só tem aumentado em países dominados pelo neoliberalismo, como o Brasil”, diz Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB. Como comprova a pesquisa da Cepal.

Para ela, com o “fim das políticas públicas de atendimento e acolhimento das mulheres a situação só vem se deteriorando, aumentando o número de mulheres trabalhando nas ruas como vendedoras ambulantes, sem nenhum direito trabalhista”. Em média, 26,9% das mulheres ocupadas estavam em situação classificada pelo estudo como “subemprego”, em 2016, contra 19% dos homens na mesma condição.

No Brasil, as mulheres ganham cerca de 30% a menos que os homens em mesmas funções, são poucas mulheres em cargos de chefia, mesmo com mais escolaridade. As mulheres negras estão na base da pirâmide com os trabalhos maios estressantes e distantes de casa e os piores salários.

Gicélia acentua que “as propostas neoliberais de enfrentamento à crise colocou o país em uma recessão profunda, atingindo massivamente a população mais pobre, onde o reflexo dessa crise atinge principalmente as mulheres negras, que continuam ocupando os setores mais precários do trabalho e ganhando em média 45% a menos em relação ao homem branco e 30% a menos que a mulher branca”.

Pelo estudo da Cepal, a discriminação começa cedo. As mulheres jovens sem estudo e sem trabalho, em 2016, correspondiam a 31,2% na América Latina. Entre os homens jovens, esse índice ficou em 11,5%.

Ser mulher e negra

“Ser mulher negra no Brasil, que tem a maior população da Diáspora negra no mundo, é aviltante”, assinala Mônica. “As consequências da Abolição inconclusa, bate muito forte em nós. Nos fazem sentir que não pertencemos ao mundo deles (brancos e ricos), temos que nos contentar com os nossos lugares (nas favelas, limpando chão), mas não. Porque somos a resistência e por nós e por nossos filhos lutaremos sem cessar”.

Celina comenta que “no Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha de 2019, acrescentamos a força da nossa luta para pôr fim a toda forma de violência e discriminação de gênero neste país que nasceu para a igualdade e para o respeito à diversidade e às cidadãs e aos cidadãos”.

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