Mulheres negras sob ataque nas redes

Às vésperas do Dia de Tereza de Benguela, Dia Nacional da Mulher Negra (25 de julho), eu, mulher negra, atriz, fui atacada nas minhas redes sociais por mais uma ação racista que tenta calar e desumanizar afro-brasileiras.

O racismo se manifestou por xingamento atribuído à animalização, ofensa racial que tenta retirar de negros e negras o direito de sermos tratadas como seres humanos. Não se trata somente de caso isolado ou dirigido apenas à minha pessoa, é direcionado contra 56% da população brasileira: 118 milhões de negras e negros. E, por isso, é preciso reagir e falar publicamente sobre racismo e discriminação racial.

Sou mais uma das milhões de mulheres negras que fazem das redes sociais o seu lugar de existência, conexões humanas, apresentação do trabalho e exposição livre de ideias e conversas sobre ser mulher negra no Brasil. A cada postagem, corpo, identidade e pensamento negro se afirmam não somente pelo enegrecimento do ambiente virtual, mas pelo que cada mulher negra é: pessoa, cidadã, internauta. Em geral, as minhas redes sociais constituem ligações com pessoas negras e não-negras, seja por conteúdos acerca da questão racial, por situações triviais e por meu trabalho artístico.

Por dois anos, protagonizei uma matriarca negra numa novela infanto-juvenil cujas gravações foram interrompidas por conta da pandemia de Covid-19. Do ponto de vista das relações raciais, o ambiente virtual tem sido tão hostil quanto o “mundo real” a negras e negros. Infelizmente, não sou a primeira nem serei a última mulher negra a ser agredida racialmente na internet. Segundo pesquisa de Luiz Valério Trindade, defendida na Universidade de Southampton, mulheres negras entre 20 e 35 anos são 81% das vítimas de discurso discriminatório e de ódio nas redes sociais. Por isso, é fundamental não justificar nem reduzir a ação do racista que acessou o meu perfil, pois ela faz parte de uma rede articulada de discurso de ódio racial.

Muitas vezes, os agressores racistas são agentes ativos em grupos racistas na internet ou agentes que consomem essa produção. Logo, isso demanda apuração rigorosa por parte das autoridades policiais, para desmantelamentos das células que defendem a supremacia racial branca e fazem ataques racistas nas redes sociais. Esse é um debate que precisa ser feito com seriedade.

Há menos de dois meses, vimos, no mundo inteiro, um grande levante negro contra o racismo, motivado pelo assassinato brutal de George Floyd, apoiado por pessoas brancas nos Estados Unidos e mundo afora. No Brasil, a onda teve adesões e retumbou o debate político e público sobre antirracismo, alcançando redes sociais e ações espontâneas até então pouco vistas, apesar da famigerada ação do racismo à brasileira. No entanto, a onda antirracista está em dispersão, enquanto o racismo cotidiano no Brasil mantém-se inabalável.

Como uma das pessoas que assinou o manifesto “Enquanto houver racismo, não haverá democracia”, elaborado pela Coalizão Negra por Direitos, eu espero que mais brancas e brancos assinem o documento e ajam, todos os dias, para acabar com o racismo no Brasil. Enquanto esse for um esforço apenas de negras e negros, mais mulheres negras continuarão a ser violentadas pelo racismo e pelo sexismo nas ruas, nas empresas, nas escolas, nas redes sociais e dentro de casa. Passou da hora de acabar com o racismo.

 

Maria Gal

Atriz, apresentadora e produtora; fez parte do elenco da novela “As Aventuras de Poliana”, do SBT

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