Ex-presidente da Libéria e ganhadora de um Nobel da Paz Ellen Johnson-Sirleaf esteve na Conferência Internacional Amazônia e novas Economias, em Belém, evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), capitaneado pelo ex-ministro Raul Jungmann. Após o discurso no evento, Sirleaf falou com os repórteres sobre representatividade das mulheres na política, eleições norte-americanas e presença do continente africano no G20, encontro que ocorrerá nos dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro. Confira a entrevista:
O presidente eleito Donald Trump pode travar os esforços para a economia do carbono?
Quando as pessoas estão em campanha política, fazem todo tipo de declarações. Também fiz quando estava em campanha. Temos de esperar e ver o que realmente fazem. Além disso, grande parte da ação de um líder, em qualquer lugar, dependerá da qualidade e da autonomia da instituição. Alguns deles não conseguem pôr em prática o que pretendem por causa de instituições autônomas fortes.
Qual é a sua opinião sobre o papel dos países emergentes em um mundo que voltará a ter Trump no comando dos EUA?
Os países emergentes têm a vantagem da demografia. Atualmente, a nossa população, em todos esses países, é muito maior. Cresce muito mais rapidamente, beneficiando a revolução tecnológica das comunicações. Grande parte dos países mais antigos está envelhecendo, e de quem o mundo dependerá? Dessas populações jovens, tecnologicamente orientadas, que foram o nosso ponto de partida para fornecer o profissionalismo de que o mundo precisa. Cabe então aos países desenvolvidos verem isso e tornarem esse potencial positivo, em vez de negativo. As políticas das nações maiores determinarão se o mundo seguirá um caminho que conduza a uma eventual prosperidade para todos ou se teremos um mundo caótico de divisão e conflitos bélicos.
O que pensa do cenário das guerras no Oriente Médio e na Europa?
Como ganhadora de um Prêmio Nobel, estou envolvida em diferentes coisas para a promoção da paz, quer seja com os anciãos, quer seja com outras nações. Tentamos, por meio da advocacia, de declarações, promover a paz. As guerras que vivi no meu país me afetaram e penso que essa é uma das razões pelas quais me foi atribuído o prêmio. Por isso, tenho o compromisso de promover a paz e o meu próprio legado, de 12 anos de presença, e dizer que não me interessa o que faço pelas infraestruturas ou pelos serviços sociais, o meu legado será a paz. Estou satisfeita por, após duas décadas de conflitos, a Libéria poder, agora, se orgulhar de mais de 21 anos consistentes de paz.
Acredita que Trump vai trabalhar pela paz?
Os Estados Unidos são os atuais líderes mundiais. O que é que vai acontecer nos próximos anos? Estamos aguardando.
Qual é o papel das mulheres nessa transformação que procuramos para um mundo pacífico e sustentável?
Se olharmos para o papel das mulheres proeminentes, onde quer que seja — no Brasil, na Península Ibérica, na Alemanha, no Reino Unido, na Suécia —, onde as mulheres assumem a liderança, temos paz, temos a promoção da igualdade, mas não as temos em número suficiente. Não temos mulheres líderes suficientes, e esse é o problema do mundo atual, que precisa de mais mulheres fortes, capazes, competitivas, empenhadas, que possam assumir o poder, porque elas usam o poder de forma diferente.
Como assim?
Elas não usam o poder para a força e para a violência, usam para a união, a paz e a prosperidade. Por isso, eu encorajo todos vocês a continuarem a fazer disso a sua alegria: promover as mulheres onde virem uma mulher forte, promovê-las para que possam continuar a avançar e se manterem em movimento.
Este ano, a União Africana juntou-se ao G20, que está sendo organizado pelo Brasil. O que pensa da participação dos países do continente?
Os países africanos vão ver como podem ter uma voz comum. Penso que o compromisso agora é ultrapassar as nossas relações coloniais e nos vermos como um só corpo, para que tenhamos uma voz comum forte. E isso é um grande desafio para África. Acredito que a situação do mundo está forçando os países africanos a pensarem assim para a sua própria sustentabilidade, para que não se vejam deixados para trás com todas essas mudanças de alianças políticas e tudo isso.
Ainda sobre o G20, o presidente Lula trabalha por uma aliança global contra a pobreza e a fome. Qual é a importância de ter um instrumento como esse no mundo?
Muito importante. Se cada um de nós não conseguir produzir alimentos suficientes para alimentar nosso próprio povo e tivermos de depender dos alimentos de todos os outros, então corremos um grande risco. O Brasil também faz parte do Brics, e é uma coisa nova que estamos prestando atenção. O Brasil tem um papel muito importante a desempenhar agora, no G20 e no Brics. O presidente Lula tem uma grande responsabilidade, e todos nós temos de apoiá-lo.