Museu Whitney recorre a acervo para contar história do ativismo nos EUA

Instituição em Nova York exibe obras sobre protestos raciais, feministas e contra Guerra do Vietnã

por Daniele Brant no Folha de São Paulo

Whitney Museum by gigi_nyc

“Não estou mais aceitando as coisas que não posso mudar… Estou mudando as coisas que não posso aceitar”. A frase, da ativista Angela Davis, resume o espírito das oito décadas de protestos que emergem do museu nova-iorquino Whitney.

A luta contra a brutalidade policial dirigida a afro-americanos, bandeira do Partido dos Panteras Negras, do qual Davis fez parte por breve período, é uma das retratadas na exposição “An Incomplete History of Protest: Selections from the Whitney’s Collection, 1940-2017” (“Uma história incompleta do protesto: seleções da coleção do Whitney”).

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Lá, pelas lentes de Gordon Parks, é possível encontrar registro de uma reunião dos Panteras Negras —os integrantes do grupo encaram o fotógrafo com ar de desafio. Parks se tornaria o primeiro afro-americano a dirigir um filme de Hollywood, “The Learning Tree”, de 1969.

Logo na entrada da exibição, mangueiras de incêndio usadas contra ativistas que protestavam pacificamente pelos direitos civis de negros nos anos 1920, 1930 e 1950 compõem um quadro.

Todos os itens foram extraídos dos 23 mil trabalhos que compõem o acervo do Whitney, explica Jennie Goldstein, curadora-assistente do museu e co-organizadora da mostra.

Obra sem título #2 (Speech/Crowd, 2000), de Glenn Ligon, em exibição na mostra “An Incomplete History of Protest: Selections from the Whitney’s Collection”, no museu Whitney – Divulgação

“Quando começamos a pensar na exposição, vimos uma forte tensão de ativismo, motivação e engajamento político dos artistas na coleção do Whitney, do começo do museu, em 1900, até o presente.”

A mostra começou a ser concebida em 2016, período turbulento e volátil por causa das eleições presidenciais.

“Pensamos em abordar esses tópicos que surgiam no noticiário, nas ruas, esse engajamento político que víamos ao redor. E queríamos pensar em como contextualizar um pouco disso.”

A história do museu não deixa de ser uma história de protestos. Lá, nos anos 1960 e 1970, o ativismo negro e feminino conseguiu que suas demandas fossem ouvidas.

Um dos resultados práticos foi a mostra de Melvin Edwards, escultor que retorce metais até dar uma conotação política ao produto final.

Ele foi o primeiro escultor negro a ter uma exibição individual ali, em 1970. Um dos trabalhos expostos na época, “Pyramid Up and Down Pyramid”, faz parte da mostra.

O trabalho consiste em uma pirâmide tradicional e uma invertida, ambas com arame farpado, questionando a relação do espaço com gênero e raça.

Ainda na questão racial, o recado é dado em “Hate Is a Sin” (o ódio é um pecado), em que a bandeira confederada, vermelha, traz a frase sobre sua cruz azul. Ao lado, um texto narra a história de uma família branca com um filho branco de olhos azuis que se torna negro e é agredido pelo pai. “Meu sangue está nas suas mãos, pai”, lamenta o garoto.

Além do racismo, a exposição revisita outro esqueleto no armário da nação: os campos de encarceramento nos EUA para os quais cerca de 120 mil nipo-americanos foram enviados durante a Segunda Guerra Mundial, após os ataques de Pearl Harbor.

O protesto silencioso se dá pelas lentes de Toyo Miyatake, ele próprio um prisioneiro.

O feminismo é lembrado com a defesa da igualdade, e as manifestações contra a exploração em casa ou no trabalho. Também na busca pelo reconhecimento de que a Aids, fantasma dos anos 1980 e 1990, as afeta.

Um quarto com paredes cheias de quadros com nomes como CIA, Mossad, Hamas e IRA lista organizações que recorreram à violência para fins políticos. Fazem parte de “Divine Violence” (2007), de Daniel Joseph Martinez.

A inspiração para a obra vem de um ensaio de 1921 em que Walter Benjamin alude à dificuldade de distinguir entre a violência “legítima” e a “ilegítima”.

Manifestações contra a Guerra do Vietnã, um dos episódios mais marcantes na história dos protestos no país, também têm espaço. Trajes militares preenchidos com areia e jogados no chão lembram os mortos no conflito —foram mais de 58 mil baixas— em “The Non War Memorial” (1970) de Edward Kienholz.

Também recordando o conflito no Sudeste Asiático, cartazes ocupam duas paredes, entre eles o clássico “War is over! if you want it” (“A guerra acabou! se você quiser”), de John Lennon e Yoko Ono. Ou o mantra “Hell no we won’t go” (algo como “de jeito nenhum, nós não iremos”), usado para pedir o fim do conflito.

A guerra uniu artistas e o Whitney num protesto que culminou com o museu fechando em 22 de maio de 1970, em apoio aos ativistas. Mais uma vez, ele havia virado palco de ações políticas.

“Os museus não são espaços neutros, são construídos em cima de histórias. Os artistas sempre acharam o Whitney um lugar onde podem ser ouvidos”, afirma Goldstein.

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