Akins Kintê escreve toda semana para o Alma Preta um conto periférico. O poeta, autor do livro Muzimba na humildade sem maldade, conta narrativas com personagens e enrendos das bordas das grandes cidades brasileiras.
Por Pedro Borges Do Alma Preta
Era uma roda de partido-alto Zé Mixaria no cavaco, Tico Sem Nada no pandeiro, Chico da Madruga na timba, Maria das Dores improvisava arranhando gostosamente uma faca no prato, Pedrinho versava muito bem no partido alto, Pretinha, Rita e Cassandra de Jesus de Jesus Nada sapateavam ao som do partido alto e tudo isso acontecia na Viela Só Sorriso na Favela Do Recanto. Ali um paraíso e por isso o nome Viela Só Sorriso, mas para se chegar à boca desse beco era preciso atravessar a Ponte do Desespero, subir a Escada do Pecador, atravessar o Beco da Tristeza, passar pela Esquina da Maldade e, ainda por cima, aturar o disse me disse do Boteco do Portuga. E favela tem disso, sempre uma dificuldade peculiar pra se enfrentar e achar, não se sabe aonde pra pôr no peito, um coração resistente.
Pedrinho, no verso saliente, já procurava graça com Rita, preta bonita de poucas palavras, há pouco comprou uma casa na Viela dos Desejos, frequentadora assídua da Escola de Samba Grêmio Recreativo Sem Mazelas e Avante, dona de um silêncio intrigado. Rita sapateava ao som do samba, mirava certeira o olhar bonito de Pedrinho. Menino vadio de buscar a vida na ponta do dedo, no bico dos lábios, na cara dos olhos e no suor do sexo. Rita, o que se sabe! Nada se sabe! Misteriosa aquela mulher. Na cara de teus olhos um marzão profundo que Pedrinho queria navegar com seu barquinho de fazer felicidade.