Há 24 anos, quando fez um périplo de mochileiro pelo Brasil (passou por São Paulo, Salvador, Rio e Paraty), o escritor americano Colson Whitehead, então ainda desconhecido, foi duas vezes parado por policiais. Negro, ele disse que teve, assim, uma ideia de como funcionava as questões raciais no País. “Agora, novamente aqui, não posso dizer se houve mudança, pois Paraty se transforma em uma bolha durante a Flip 2018, com todas as pessoas sendo gentis”, contou ele, agora um premiado escritor – recebeu o Pulitzer por Underground Railroad: os Caminhos para a Liberdade (Harper Collins).
Do IstoÉ
Whitehead dividiu uma aguardada mesa com o brasileiro Geovani Martins na tarde de sábado, 28, na Flip. Autor de O Sol na Cabeça (Companhia das Letras), ele transpôs para o papel inúmeras situações violentas que presenciou, enquanto viveu em Bangu, na Rocinha e, hoje, em Vidigal. Momentos constrangedores, semelhantes ao enfrentado pelo americano. Em um de seus contos, quando o personagem é ameaçado de morte por um traficante, ele lamenta não ter trazido um documento de identidade, como sempre recomendou sua mãe. “Na Rocinha, o número de filhos que não tem pais é grande. E, em muitos casos, o medo da morte é tão grande como o de ser enterrado como indigente.” Martins contou ainda que, quando tinha dez anos, sua mãe começou a pagar um plano funerário para ele e o irmão, de 6.
A questão racial é também decisiva na escrita de Whitehead. Apesar de não gostar de descrever fisicamente seus personagens, ele concorda que tradicionalmente aqueles que são negros são identificados como tais. E o mesmo não acontece com os brancos. “A raça é significativa quando se trata de negros, enquanto que com os brancos, não. Escrevi um livro sobre zumbis, em que a meta de todos era acabar com a ameaça, mas causou surpresa quando, no final, o protagonista se revela negro. Ora, isso não devia surpreender ninguém, pois o objetivo principal era eliminar os zumbis”, conta ele que, por causa da turbulenta presidência de Donald Trump, acabou de terminar um romance muito deprimente. “Já elegemos presidentes burros ou racistas, mas alguém que fosse os dois é a primeira vez.”