Na ONU, Geledés promove espaço estratégico para a construção coletiva de justiça reparatória

Evento promovido pela organização aconteceu em paralelo à 4ª Sessão do Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes, em Nova York

A 4ª Sessão do Fórum Permanente para Pessoas Afrodescendentes, realizada na sede da ONU em Nova York, entre os dias 14 a 17 de abril, reafirmou a importância dos espaços multilaterais na promoção e proteção dos direitos da população afrodescendente. O tema central do evento foi “África e Pessoas Afrodescendentes: Unidos pela Justiça Restaurativa na Era da Inteligência Artificial”. No entanto, lideranças de organizações da sociedade civil, representantes de governos e especialistas em direitos humanos alertaram para o fato de que o fórum não deveria ser encarado como uma instância isolada, mas como parte de um ecossistema internacional mais amplo e interconectado, a fim de estar comprometido com a justiça racial em todas as suas dimensões.

“O fórum também precisa dialogar e influenciar outros processos internacionais cruciais que estão em curso em 2025, como a Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), em Sevilha; os debates sobre a crise climática — desde a Conferência de Bonn até a COP30, em Belém; e as negociações sobre a nova Convenção Tributária da ONU. Todos esses processos devem incorporar uma linguagem e compromissos concretos voltados à promoção dos direitos da população afrodescendente”, avalia Gabriel Dantas, assessor internacional de Geledés e representante da organização no fórum.

O Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes foi estabelecido pela ONU em 2021, com o objetivo de contribuir para a inclusão política, econômica e social da população afrodescendente no mundo e fazer parte das atividades da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024). A sessão deste ano ocorreu em contexto de crescente ascensão global da extrema direita e consequente hostilidade contra o multilateralismo, os direitos humanos e as agendas de diversidade e inclusão.

Nos últimos anos, se tornou evidente que os ataques constantes promovidos por líderes ultradireitistas ameaçam fragilizar os compromissos centrais no enfrentamento ao racismo estrutural e na luta por reparações históricas — especialmente para mulheres e meninas negras e afrodescendentes, que enfrentam camadas interseccionais de exclusão. Nesse contexto, Geledés entende que se torna mais do que urgente fortalecer alianças entre Estados, organismos internacionais, especialistas e sociedade civil para garantir que a justiça racial permaneça no cerne das decisões globais.

A juventude afrodescendente brasileira, por exemplo, tem reiterado sua demanda por maior representatividade nas instâncias decisórias internacionais, com destaque para temas como justiça climática, paz, segurança e desenvolvimento sustentável.

A interconexão entre a 4ª Sessão do Fórum Permanente e o Fórum de Juventude do ECOSOC colocou a necessidade de haver uma maior articulação entre as agendas frequentemente tratadas de forma fragmentada. Para lideranças e organizações da sociedade civil, é fundamental integrar esses espaços, reconhecendo-os como engrenagens de uma mesma máquina voltada à promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais da população afrodescendente.

Apesar de avanços normativos, a implementação de medidas reparatórias segue limitada por resistências políticas e institucionais. A decisão da União Africana de eleger a justiça reparatória como tema prioritário de 2025 amplia sua visibilidade, mas há uma demanda por ações concretas que reflitam essa prioridade nas mais diversas frentes internacionais.

Nesse sentido, o evento paralelo promovido por Geledés – Instituto da Mulher Negra, em parceria com o Observatório da Branquitude, despontou como um espaço estratégico de articulação e construção coletiva. Realizado em Nova York, o painel reuniu integrantes do Fórum Permanente, do Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes, representantes da sociedade civil e do governo brasileiro.

Sob moderação de Manuela Thamani, diretora do Observatório da Branquitude, o encontro buscou identificar caminhos para fortalecer uma abordagem interseccional, transversal e transformadora em relação à justiça reparatória no sistema internacional. Os convidados deste painel foram a embaixadora June Soomer, a ex-presidente do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes da ONU, Barbara Reynolds, o reverendo e professor Keith Magee, presidente da Fundação The Guardian, Tainah Pereira, do Instituto Mulheres Negras Decidem, representando também a Coalizão Negra por Direitos, e Ana Míria Carinhanha, secretária-executiva adjunta do Ministério da Igualdade Racial (MIR).

O evento promovido por Geledés buscou identificar oportunidades concretas de engajamento político nos processos multilaterais em andamento; promover a articulação entre representantes governamentais, organismos internacionais, especialistas e integrantes da sociedade civil afrodescendente; além de compartilhar boas práticas e propostas que contribuam para o reconhecimento e a efetiva implementação do direito às reparações históricas. “Juntos, Estados, organismos internacionais, especialistas e a vibrante sociedade civil nos unimos para garantir que a justiça social e as reparações para pessoas negras – com um olhar atento para experiências intersecionais de mulheres negras cis e trans – permaneçam no centro dos debates internacionais”, anunciou Manuela Thamani, mediadora do evento.

A proposta foi consolidar estratégias que levem a pauta reparatória a espaços como a 4ª Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), a Comissão sobre a Condição da Mulher (CSW), a próxima Convenção das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional, as negociações climáticas da COP, o Fórum Político de Alto Nível (HLPF), e à próxima Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Afrodescendentes, com reflexões para além dos silos temáticos.

Isso sem se distanciar das reais circunstâncias em que se encontram os afrodescendentes latinos, como aponta Gabriel Dantas, assessor internacional de Geledés. “Não podemos perder de vista as especificidades das populações afrodescendentes na América Latina, especialmente no Brasil, onde a maioria da população se identifica como negra, segundo o IBGE, mas continua entre os últimos lugares no acesso a investimentos para o desenvolvimento. As mulheres negras, em especial, enfrentam camadas interseccionais de racismo e sexismo que as afastam de forma sistemática desses processos. É preciso que elas sejam reconhecidas não apenas como vítimas de uma desigualdade historicamente enraizada, mas como protagonistas e agentes fundamentais de transformação”, afirma.

Como bem lembrou Barbara Reynolds durante o evento, “o que funciona no Brasil pode não funcionar no Equador, por uma série de razões, inclusive históricas”, disse ela. E acrescentou: “O tipo de sistema judicial que existia antes, que existe agora, o tipo de economia que existia antes, e a que existe agora”.

Reynolds ainda discutiu um ponto importante que quase nunca é mencionado nesses encontros: o estresse racial. “É absolutamente crítico que descubramos o que nos divide, o que nos isola, o que nos constringe e o que nos confunde para poder lidar com isso”, alertou ela.

O entendimento de todos no evento foi de que a centralidade da justiça racial não pode mais ser postergada. Houve consenso em concluir que é mais do que hora de integrar a reparação histórica como um pilar fundamental da ação internacional em prol de um futuro mais justo para africanos e afrodescendentes em todo o mundo.

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