Na véspera do Dia Internacional da Mulher Negra, mulheres da Baixada narram histórias de luta

Na contramão das estatísticas do país, onde mulheres negras são 50% mais suscetíveis ao desemprego do que as mulheres e homens brancos e com renda média menor do que a metade da renda média dos homens brancos e 35% do que a de mulheres brancas — segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2018 —, três mulheres negras da Baixada Fluminense celebram suas histórias de vida. Na véspera do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, Dani Macedo, Vera Lúcia Santana e King ressaltam a importância de reverter as estatísticas.

Por Cíntia Cruz, Do Extra

Vera Lúcia- mulher negra, de turbante e roupa colorida- em pé, segurando um caderno e sorrindo
Vera Lúcia: da seção de limpeza para o plenário Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

— As mulheres negras são maioria em tudo que é depreciativo. Somos obrigadas a provar que nosso corpo não é só para rebolar, mas que temos cabeça pensante — ressalta Vera Lúcia Santana Costa, de 58 anos, responsável por redigir a ata das sessões na Câmara Municipal de Nova Iguaçu.

Vera foi aprovada no concurso da Câmara há 12 anos, como auxiliar de serviços gerais. Antes, fazia faxinas para sustentar a filha, na época com 6 anos, e para pagar a faculdade de Letras. Já na Câmara, conquistou uma progressão funcional por merecimento e, há cinco anos, redige as atas das sessões.

— Para quem nasceu na periferia, filha de uma doméstica e de um pedreiro, sei que foi uma conquista. Mas ainda me sinto no meio do caminho. Agora, me preparo para fazer o mestrado — planeja Vera.

Dani Macedo é uma das administradoras da página Love Black, que valoriza a beleza negra (Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo)

Em São João de Meriti, a falta ou escassez de modelos negros nos editoriais sempre incomodou a produtora Dani Macedo, de 27 anos. Até que ela decidiu ir às ruas e fazer a sua própria seleção. Nascia assim o projeto Negros Ashanti, de valorização da beleza negra. Hoje, três anos depois, Dani fez uma parceria com a página Love Black, onde é uma das administradoras, fotógrafa e editora.

— Trabalhamos fazendo ensaios com com aqueles que, geralmente, são rejeitados pelas agências. O único requisito é ser negro. Queria que os negros reconhecessem sua beleza — revela Dani, que, após o início do projeto, passou a ser procurada por profissionais de moda:

— Participam fotógrafos, afroempreendedores, maquiadores, todos especializados em beleza negra e que, antes, tinham pouco reconhecimento da marca ou do trabalho no mercado.

Também da área da Moda, a cantora King, da Vila Operária, em Duque de Caxias, conta que encontrou seu caminho na arte. Hoje com 26 anos e com mais de 22 mil seguidores em seu Instagram, King conta que começou aos 9, dançando em um projeto da escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio. Conquistou bolsa em uma escola de dança. Depois, passou a fazer cover de artistas. Há cinco anos, começou a cantar. Mas a força para alcançar seus objetivos vem de sua família, principalmente das mulheres. O nome artístico, King (rei em inglês), é, inclusive, uma homenagem ao matriarcado.

Cantora KIng- mulher negra de bread box, usando roupas coloridas- fazendo pose no chão
Cantora KIng afirma que mulheres negras precisam lutar para “existir’’ (Foto: Imagem retirada do site Extra)

— Minha força vem das mulheres da minha casa. Todas elas têm um superpoder dentro delas. Então, que seja o poder do rei no corpo de uma rainha — explica a cantora, que exalta ainda a capacidade de luta das mulheres negras na sociedade: — Não existe a possibilidade de não lutar. Não é lutar para vencer. É lutar para existir.

King acredita que o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha deve ser uma data importante para rever privilégios:

— Datas como essa precisam ser máquina de reflexão, para a gente refletir socialmente, entender nossos privilégios e que sempre há menos privilegiados.

O Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha é também o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Foi sancionado no Brasil, em 2014, por meio da Lei 12.987/2014. Tereza de Benguela foi líder quilombola e símbolo da resistência contra a escravização.

Nesta quarta-feira, o Shopping Grande Rio, em parceria com a Superintendência da Mulher da Prefeitura de São João de Meriti, promove o “Dia do Orgulho Crespo”. O evento contará com diversas atividades gratuitas acontecerá no Espaço Sesc RJ (próximo à Portaria A), das 10h30 às 19h30, e contará com diversas atividades gratuitas relacionadas ao universo afro. A ação visa rememorar a luta das mulheres negras para a construção de uma sociedade mais justa. Na programação, oficinas temáticas de penteado afro, turbante e maquiagem; apresentações de dança, capoeira e flash mob; e roda de conversa com mulheres de movimentos negros. O Shopping Grande Rio fica na Rua Maria Soares Sendas, 111, São João de Meriti.

No dia 25, acontecerá uma roda de conversa na Igreja da Matriz (Praça Getúlio Vargas s/n), em São João de Meriti. Com o tema “Da autoestima ao mercado de trabalho’’, o evento será realizado no salão anexo da igreja, das 9h às 12h30, e terá a participação da advogada Sandra Machado.

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