“Não está faltando cadeias. Está faltando é tronco em praça pública!” Por Douglas Belchior

 

Por Douglas Belchior

Meu irmão Marcelo Pereira “Dilá” compartilhou uma história linda que não conhecia e cuja fonte não consegui identificar. Ao consultar a querida amiga Maria Silvia, ela me disse que os Griôs – contadores de histórias, protetores e celebradores da tradição oral africana, podem ter fortalecido essa história aqui no Brasil.

Fato é que ela nos ensina muito sobre punição, prisão e humanidade. Aliás, temos muito, mas muito mesmo a aprender com a África:

“Há uma ‘tribo’ africana que tem um costume muito bonito.

Quando alguém faz algo prejudicial e errado, eles levam a pessoa para o centro da aldeia, e toda a tribo vem e o rodeia. Durante dois dias, eles vão dizer ao homem todas as coisas boas que ele já fez.

A tribo acredita que cada ser humano vem ao mundo como um ser bom. Cada um de nós desejando segurança, amor, paz, felicidade. Mas às vezes, na busca dessas coisas, as pessoas cometem erros.

A comunidade enxerga aqueles erros como um grito de socorro.

Eles se unem então para erguê-lo, para reconectá-lo com sua verdadeira natureza, para lembrá-lo quem ele realmente é, até que ele se lembre totalmente da verdade da qual ele tinha se desconectado temporariamente: “Eu sou bom”.

Sawabona Shikoba!

Sawabona é um cumprimento usado na África do Sul e quer dizer: ”Eu te respeito, eu te valorizo. Você é importante pra mim”.

Em resposta as pessoas dizem Shikoba, que é: ”Então, eu existo pra você”. 

Já no Brasil, quando não se prende, se mata!

Quase 600 mil pessoas estão presas no Brasil. Temos aqui a quarta maior população carcerária do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). Vivemos a cultura do medo. Alimentamos estereótipos e o perigo quase sempre está acompanhado por determinada cor da pele, origem, tipo de vestimenta, prática cultural ou religiosa.

A violência é endêmica. A opressão por parte do Estado, que em tese deveria garantir segurança e bem estar à população, endossa a violência civil, tão cotidiana quanto cruel. Nosso país mantém 16 municípios no grupo das 50 cidades mais violentas do planeta. E o caráter racial da violência é explicito: enquanto a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil habitantes, no caso de brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes e justamente por isso, enquanto o homem negro perde 20 meses e meio de expectativa de vida ao nascer, a perda do branco é de oito meses e meio. Pelas projeções, 36.735 brasileiros de entre 12 e 18 anos serão assassinados até 2016.

Assassinatos em série, pessoas desaparecidas, corpos arrastados. Tudo isso ao vivo e em tempo real. É possível negar o conflito em que vivemos? É possível negar a ineficácia das políticas de segurança pública ? É possível não perceber que encarceramento e força militar não resolvem os problemas e sequer tocam suas raízes?

Não há país civilizado. Não há país harmônico ou democrático. Somos violentos. Somos desumanos. Somos cruéis. É preciso assumir para tratar. É preciso enfrentar e desconstruir no imaginário da população, valores simbolizados pelo comentário de um dos leitores deste Blog: ”Não está faltando cadeias. Está faltando é tronco em praça pública!”

NÃO ESTÁ!

‘Amarildos’, ‘Ricardos’, ‘Douglas‘, ‘Cláudias‘ e tantos outros barrados, desaparecidos, torturados, arrastados e executadosde nossos dias, são a prova de que infelizmente não está.

África… quanto temos a aprender com você…

 

 

Fonte: Negro Belchior

 

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