“Não existe Morumbi bom com Paraisópolis ruim. Não existe Cidade Linda com Paraisópolis feia”, diz Gilson Rodrigues, líder comunitário dessa região e integrante do G10 das Favelas. “Nós queremos fazer parte do Brasil, das cidades, queremos estar integrados”. A fala é um bom resumo do debate “Arquitetura e Saúde – Arquitetos e urbanistas como promotores da saúde pública nas cidades”, promovido na noite desta quinta (9) pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR) e transmitido por Ecoa.
Como transformar cidades que adoecem em cidades de direitos, inteligentes e saudáveis? Segundo os debatedores – especialistas e lideranças de diversas áreas – o caminho para isso é não deixar ninguém de fora.
Mas não no sentido de políticas paliativas e assistenciais, nem de “representatividade alegórica”, nas palavras da sanitarista e pesquisadora Karine Santana. “Para pensar em planejamento urbano é preciso pensar em duas coisas importantes: para quem eu vou planejar e quem está planejando”, diz.
A ação dessa construção, portanto, já parte da própria formação da equipe que elabora o planejamento, que deve estar “imbuída de um desejo de desconstruir” o modelo de desenvolvimento vigente, “extremamente excludente, discriminatório e que vulnerabiliza as pessoas”. Os projetos universalizantes, segundo ela, devem já nascer em uma posição de equidade, que deve ser a o foco em todos os planejamentos e ações. “É preciso garantir a interseccionalidade e um planejamento equânime e inclusivo, que garanta a saúde das pessoas. A estrutura gestora de todos os planejamentos precisa contar com representatividade”.
Isso evitaria, por exemplo, um “cenário de pandemia, em que temos propostas de medidas protetivas como, por exemplo, lavar as mãos, sendo que a gente tem cerca de 35% dos brasileiros sem saneamento básico”, diz Karine. “Como a gente garante o isolamento social com 11,5 milhões de pessoas morando em casas superlotadas, com média de 3 pessoas por dormitório?”.
Parte dessa realidade onde “há 100 dias não tem Samu, há cem dias falta água”, Gilson afirma que o “novo normal” é uma ficção. “Queremos que nos ajudem a criar um processo de normalidade”, diz. “Já temos um movimento no Brasil criado para induzir a população a pensar que está tudo certo, o movimento do chamado ‘novo normal’. Esse novo normal não chegou na favela, porque aqui não existe nem o normal ainda”.
A interseccionalidade deve ser traduzida para articulações de políticas públicas em que vários setores dialogam. A pesquisadora Simone Cynamon, do departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz também acredita que o caminho é, necessariamente, inclusivo. “Temos que pensar o Plano Diretor de uma forma mais globalizante e integradora”, diz. “Não adianta a política de saúde coletiva das cidades não dialogar com a política urbana, habitacional, de meio ambiente, saneamento… A cidade pós-pandemia é um problema muito complexo que não adianta só um setor resolver.”
“Se há um legado que a pandemia tem que nos deixar, é a capacidade da escuta”, diz a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC).
Gilson, que ganhou notoriedade graças às 12 medidas de auto-organização que implementou em Paraisópolis ocupando as faltas do poder público – com programas próprios para garantir renda, isolamento social, informação e socorro aos mais de 100 mil moradores – diz que muita gente “só conheceu a favela na pandemia”. E que os problemas históricos da comunidade que completa 100 anos em 2021 continuam. “O que queremos é uma política pública de transformação das favelas, um programa de urbanização discutido com a própria comunidade, até para que eles possam ser aplicados”, diz.
Tem muitos programas que viram desenhos bonitos e famosos no papel, mas na prática não acontecem. Se o protagonismo não for dos moradores, não dura muito tempo. Porque as pessoas que implementam uma hora vão embora. E quem ficam somos nós
Gilson Rodrigues, líder comunitário em Paraisópolis (SP)