Não serve ao feminismo tentar nivelar ideologias díspares

Por: FÁTIMA OLIVEIRA

Não voto em candidaturas antiaborcionistas e entendo que só merece ser eleito para o Executivo quem respeita a pluralidade de opiniões existente numa sociedade democrática e compreenda que as leis num Estado laico não podem seguir um caminho teocrático. Já escrevi que as eleições presidenciais de 2010 aportam uma novidade: é a primeira vez que a direita lodosa, casquenta, casqueira e intiqueira ficou “sem mel e sem cabaça” e não indicou nomes viáveis à Presidência da República.

Não sumiu do mapa, nem sumirá, a expressão do pensamento conservador, racista e feudal que zanza por aí e faz política; somente se viu obrigada à fragmentação e se imiscuiu nas três candidaturas mais visíveis, Dilma, Marina e Serra, e exerce influências sobre elas. Desconheço candidato(a) que disse que não quer voto esse ou voto aquele, logo a presença conservadora no leque de apoios, a depender da extensão dos acordos eleitoreiros, cerceia candidaturas e até impede avanços discursivos em temas espinhosos, como o aborto. Não significa que mudou de opinião, apenas que é tático e sábio silenciar fazendo política segundo as circunstâncias.

É espantoso que se passe o rodo nivelando Dilma, Marina e Serra como igualmente antiaborcionistas, pois a realidade não respalda. Há inúmeras declarações de Dilma sobre aborto. Tive a pachorra de “googlar” para escarafunchar uma fala da candidata contra o aborto e… nada! Serra e Marina estão roucos de anunciar que são contra por convicção! A que serve alardearmos que são, igualmente, contra a liberdade reprodutiva? É um equívoco monumental de análise política pelo qual pagaremos um preço muito alto, já que sangradora de princípios ideológicos do feminismo.

Exceto Plínio de Arruda Sampaio, do Psol, para quem “as mulheres devem ter o direito de decidir sobre a interrupção da gravidez e a legalização do aborto”, não ouviremos promessas sobre descriminalização e legalização do aborto, já que as três candidaturas mais competitivas não têm interesse que o aborto seja tema de campanha, como, aliás, nunca foi no Brasil.

Por que teria de ser, obrigatoriamente, no pós-jogo de “acende, queima, assopra e apaga…” sobre aborto nos dois mandatos de Lula, embora ele tenha dito várias vezes que o governo via o aborto como um problema, também, de saúde pública? “Pero” foi o único presidente do Brasil que verbalizou tal opinião. Todavia, ele quebrou acordos, amarelou e não peitou o Vaticano, não enviando ao Congresso Nacional a proposta de descriminalização elaborada pelo Grupo de Trabalho sobre Aborto, criado pelo seu governo!

Não me enganem que eu não gosto nem aceito! Nivelar as três candidaturas como igualmente desfavoráveis à descriminalização e legalização do aborto é um modo tacanho de esconder o discurso ultraconservador de Serra, já que o de Marina nem conta, pois é religioso. Ele disse: “Considero o aborto uma coisa terrível”. E foi além. Declarou que legalizar o aborto equivale a liberar uma carnificina e que “dificultaria o trabalho de prevenção, como no caso da gravidez na adolescência, que é um assunto muito grave. Vai ter gravidez para todo o lado porque (a mulher) vai para o SUS e faz o aborto”. É uma declaração irresponsável e contra a universalidade do SUS! Constato, e lamento, que há feministas serristas, e assim mandam o feminismo pras calendas gregas, mas que coloquem palavras de Serra na boca da Dilma é inaceitável para todo o sempre, amém! O que é isso, companheiras?

Fonte: O Tempo

 

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