Nasceu

Ela nasceu assim, atrasada, recatada sem ter hora pra vir.

Na hora do choro, grito. Desmedido. Na hora da euforia. Alegria. Pronto cheguei. Ela se calou, encolheu os braços, não chorou.

Foi assim que vim ao mundo. Sem choro, sem grito, sem riso… Parece melancolia, dor, desrazão, mas foi assim que meus olhos viram a cor dessa imensidão.

Ela me traz essas histórias. Menina roxinha, miudinha. Descabelada. Como sempre. Hoje ela canta, faz roda, ciranda. Não encontra. Perturba. Se pergunta. Recria, cria, a dor da sua cor. Diferente. Do riso ao siso. Dos cachos aos lisos. Assumiu. Sumiu. Passou.

Mas ela dança, encanta. Pula no pula-pula, mulher. Fala dos seus segredos. Queria ser perfeita, enfeita, sincera. Mas dói dizer que sinto saudades, que tenho medo, que sou insegura. Segura, que sonha fantasia. Ela parece loucura, um riso que dá medo, gargalhada que mais parece um trovão. Já ouviu? Música. Só quem conhece entende.

Não quis vir ao mundo, tanto que chegou atrasada, passou da hora. Médico disse: imprestável pra vida. Ela não chorou. Sorriu, e hoje vive e muito sobrevive. Tudo nela é vida e luta.

Anjo negro que desceu do céu, em mel. Menina preta, forte, Maria Bonita, e Lampião? Interrogação. Amores são sempre possíveis. Acredito. O mundo gira e a menina preta dança, dança e gira, mais um pouco da vida.”

 

Monalisa Pontes (Luar de Girassol)

Mulher Negra, Antirracista, Feminista, Poeta nas horas vagas, Estudante de Psicologia e Membra da Frente Estadual pelo Desencarceramento -MG
Facebook: Monalisa Pontes
Instagram: @monapontes


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