Negro demais para os brancos; branco demais para os negros

Certa vez assistindo uma entrevista com a atriz e cantora Roberta Estrela D’alva ela falava sobre identidade racial quando disse a frase que pra mim fez todo o sentido: Eu sou negra demais para os brancos, e branca demais para os negros.

Por Ezio Rosa via Guest Post para o Portal Geledés

Identidade racial pra mim sempre foi um tema confuso, quando criança eu notava algumas diferenças (raça/classe) mas não conseguia compreender muito bem. Algumas crianças tinham o mesmo tom de pele que eu, no entanto iam para escola de perua, quando eu ia a pé. Os meninos podiam deixar o cabelo crescer para fazer o corte tigelinha (que era bem usual), quando meu cabelo precisava ser raspado o mais curto possível para “não dar trabalho”, além desses pontos já levantados, essas crianças também não eram zoadas por ter o nariz largo ou a boca grande como eu era.

leia também : Negros de pele clara por Sueli Carneiro

Intrinsecamente ligado a estética, o tratamento carinhoso em sala de aula dos professores para com os alunos também por sua vez era seletivo.

E quando as crianças se tornaram adolescentes e começaram a exercer sua sexualidade, não é difícil imaginar quais eram as pessoas preteridas.

Colocar em pauta todas essas questões em uma família onde mesmo as pessoas com a pele escura também se reconheciam como brancas parecia e de repente ainda possa parecer loucura, mas independente disso, este foi um passo muito importante. Visto que hoje além de mim, outras primas e primos passaram a se reconhecer como negros também.

Este questionamento sempre existiu pra mim, como vocês podem ler no início do texto, no entanto só tive propriedade para falar mais sobre este assunto, quando através da oralidade, aprendi mais com a minha mãe sobre quem somos e de onde viemos. Ela me conta muitas histórias das árduas funções na roça, e do quão este trabalho foi cultural em toda nossa linhagem.

Se voltarmos 100 anos na história da minha família, com a certeza assegurada pela minha mãe que os conheceu, meus bisavós já trabalhavam na roça, e só estavam lá porque por sua vez, porque seus pais também tinham o mesmo trabalho. Logo podemos perceber que a minha linhagem não é a da casa grande.

Fora o sangue negro, é certo que não posso me esquecer do sangue indígena e do branco que também que corre em minhas veias.

Quando eu, minhas primas e primos nos levantamos e enaltecemos esta identidade negra, é uma forma de acabar com o silenciamento que se deu por tantos anos, também de celebrar nossa ancestralidade e por fim denunciar o processo de embranquecimento, processo este que passou uma borracha em toda a cultura e tradição que poderíamos ter.

É certo que o embranquecimento da minha pele me traga privilégios que minhas irmãs e irmãos pretos não gozam, e isso não deve em momento algum ser esquecido.

Quando pessoas negras em resposta a pessoas brancas dizem: Não somos todos iguais coisa nenhuma.
Isso também serve para nós semelhantes.

O fato de assumir a minha identidade negra, não significa que eu seja igual a todos as outras pessoas negras do mundo. As especificidades existem e precisam ser respeitadas. É lógico que uma pessoa com a pele escura sofre mais com o racismo do que eu, e o que não quer dizer que eu não sofra também, mas em escala diferente. Assim como acontece com o machismo; eu também sofro com ele por ser gay, mas nunca vou me comparar com as mulheres, é incabível, entende?

Devemos sempre saber qual é nosso lugar de fala, para que não façamos com nossos semelhantes o que os opressores fazem há tantos anos.

Meça teus espaços de fala parça!

À todas as bichas Nagô força na caminhada!


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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