No ataque, Jair e Paulo

Flávia Oliveira (Foto: João Cotta)

Enquanto o Brasil afunda em crises, o presidente da República e o ministro da Economia inventam problemas. E inimigos. Agem para disfarçar a responsabilidade que têm no ambiente de terra arrasada que engolfa o país na saúde e na educação, no meio ambiente e no mercado de trabalho, na renda e na miséria. Até a inflação voltou, o que levou o Banco Central a elevar a taxa de juros em 1 ponto percentual, algo que não acontecia desde 2003, quando a Selic era medida em dois dígitos. Popularidade desidratada, gestão fracassada, resta a Jair Bolsonaro a verborragia golpista expressa em ataques ao processo eleitoral, à urna eletrônica, a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Paulo Guedes, incapaz de produzir política pública para aplacar desemprego, informalidade, desalento, tenta desqualificar o IBGE e a Pnad Contínua, pesquisa de metodologia referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Quando a aventura de extrema direita do Brasil com Bolsonaro chegar ao fim, haverá um país inteiro a reconstruir. Dois anos e sete meses de governo foram suficientes para escancarar a fragilidade da redemocratização. Com canetadas, o mandatário viúvo da ditadura pôs fim às artérias de interlocução da sociedade civil com a União, nomeou auxiliares orientados ao desmonte de órgãos e regulação (Ibama, Fundação Palmares e o rebaixado Ministério da Cultura são exemplos dramáticos), aparelhou instituições de Estado, como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal.

Agora, ciente de que terá muita dificuldade em se reeleger, avança contra as eleições, via defesa irracional do voto impresso, um retrocesso que só interessa a quem se alimenta da opressão criminosa, religiosa e fisiológica ao eleitorado. Milicianos, pastores, coronéis agradecem. O presidente já admitiu que não tem como provar as acusações que lança contra a urna eletrônica. Mas, em vez de se ocupar dos graves problemas nacionais, insiste na agenda que nunca esteve no rol de prioridades dos brasileiros.

Bolsonaro perde tempo ameaçando o calendário eleitoral de 2022 e seus desafetos no STF — à frente os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, atual e próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respectivamente —, como se não estivesse no comando de um país com 560 mil mortos pela Covid-19, ritmo vacilante de vacinação, variante Delta em transmissão acelerada. Finge não presidir uma nação com 19,1 milhões de famintos, estudantes fora da escola há um ano e meio, nível recorde de desmatamento na Amazônia, violência galopante contra povos indígenas e, por tudo isso, alvo da antipatia global.

Por sua vez, o superministro da Economia confunde a sociedade com proposta de emenda à Constituição para reescalonar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça, os precatórios, sob o pretexto de preservar recursos para uma política social que ninguém sabe qual é nem a quem se destina. De quebra, ataca o órgão oficial de estatísticas do país pelo diagnóstico preciso das mazelas que cercam o mercado de trabalho. Paulo Guedes está certo em festejar a gradual recuperação das vagas com carteira assinada apontada no cadastro nacional de admissões e desligamentos — em junho, houve saldo de 309 mil empregos. Mas erra muito ao desprezar problemas que tem o dever de combater.

O Brasil, segundo o IBGE, encerrou o trimestre março-maio com 14,8 milhões de desempregados, gente que não trabalhou e buscou ocupação. Trabalhadoras domésticas sem carteira assinada eram 3,6 milhões; autônomos sem CNPJ, 18,5 milhões. Havia 7,3 milhões de subocupados por insuficiência de horas, aqueles que precisam ganhar mais, mas não encontram oportunidades; 5,7 milhões de desalentados, brasileiros que pararam de procurar vaga porque nunca encontraram. Quatro em dez trabalhadores estão na informalidade e, portanto, sem benefícios legais nem estabilidade para consumir e viver, à beira da vulnerabilidade social.

A escalada inflacionária começou nos primeiros meses da pandemia e não mais parou. Sobem os preços dos alimentos, dos combustíveis, incluindo o gás de cozinha, e da energia elétrica — esta em decorrência da mais grave crise hídrica em quase um século. Em um ano, a comida comprada em mercados e feiras livres ficou 15% mais cara, o dobro da inflação acumulada em 12 meses; o litro da gasolina nos postos saltou 27% de janeiro a julho. A situação é preocupante a ponto de economistas elevarem há 17 semanas seguidas a estimativa para o IPCA 2021. A previsão está em 6,79%, o maior resultado anual desde 2015 e muito acima do teto da meta de inflação (5,25%). Não à toa, o Comitê de Política Monetária (Copom/BC) ontem elevou a Selic para 5,25% ao ano e antecipou nova alta de 1 ponto percentual no mês que vem.

Em meio à conjuntura gravíssima, os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, ensaiam normalidade. Felizmente, no Judiciário a tolerância aos arroubos golpistas de Jair Bolsonaro chegou ao fim. Nos primeiros dias de agosto, TSE e STF agiram coletivamente contra os recorrentes insultos do presidente da República. Empresários e intelectuais se uniram em manifesto contra o golpismo, pela democracia. Já era hora.

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