O som da Band’Aiyê anunciou a tão esperada Noite da Beleza Negra, ontem, na Senzala do Barro Preto, no Curuzu. O show da banda oficial do bloco Ilê Aiyê abriu um dos eventos mais concorridos do verão de Salvador, que acontece há 36 anos, reconhecido como uma das principais festas de celebração da negritude brasileira. Todas as atenções estavam voltadas para as 15 candidatas ao título de Deusa do Ébano, mas quem foi à festa teve uma noite inteira de encantamento, diante da magnitude do espetáculo que foi apresentado, do início ao fim.
No Diga Bahia
A escolhida para o título de Rainha do Ilê Aiyê 2015 foi a baiana, do bairro de Itapuã, Alexandra Amorim, 33 anos, professora de Educação Física, que estava concorrendo pela quarta vez. Para ela, os fatores determinantes dessa conquista foram perseverança, saber dançar, simpatia e a consciência de ser negra e desse papel na sociedade. “Meu pai saía todo ano no Ilê e, certa vez, ele falou: um dia você vai ser Deusa do Ébano e vai dançar que nem a mulher lá em cima. Em 2010, eu tentei pela primeira vez, ele estava vivo aqui na quadra, mas não consegui. Agora, já na quarta vez, ele não está presente fisicamente, mas acredito que, onde for, também deve estar em festa”, declarou Alexandra, que dedicou sua conquista à família.
O segundo lugar foi para a manicure Larissa Oliveira, 21 anos, do bairro de Cajazeiras, e o terceiro para universitária Milena Sampaio, 30 anos, do Cabula. Elas receberam o título de princesas e, neste ano, o Ilê Aiyê concede pela primeira vez o privilégio de elas também desfilarem, no bloco, durante o Carnaval. O presidente da instituição, Vovô, lembrou que a eleição da Deusa do Ébano é uma das principais ações afirmativas do Ilê. “Vivemos numa terra muito racista, então fazer uma festa com essa estrutura é uma grande conquista. Fico triste com alguns setores nossos que ainda têm o ranço da escravidão mental. Mas hoje a noite é de festa e estamos preparados para fazer um grande Carnaval”.
Se o desfile das candidatas, com belíssimo figurino de amarrações afro assinado pela estilista do Ilê Aiyê, Dete Lima, foi responsável por um dos momentos mais bonitos do espetáculo, as homenagens também engrandeceram a festa. Com uma produção impecável, que teve direção artística de Elísio Lopes Jr., foram reverenciadas mulheres negras que lutaram, conquistaram espaço e fizeram história: Zezé Motta, que protagonizou o filme Xica da Silva (1976), Mãe Hilda Jitolú, que foi dirigente espiritual do Ilê por muitos anos, e Dona Ivone Lara, matriarca do samba e uma das primeiras intérpretes do gênero, exaltada por Juliana Ribeiro e Aloisio Menezes, que invadiram a plateia e reuniram o público numa grande roda de samba ao som de “Alguém Me Avisou”, de autoria de D. Ivone.
A homenagem para Zezé Mota aconteceu com uma bela encenação tendo à frente a atriz e cantora Denise Correia. Um dos momentos de maior emoção, no entanto, foi durante a homenagem à Mãe Hilda Jitolu, representada pela integrante da diretoria do Ilê Aiyê desde 1986, Arany Santana. A cena contou com performance de dança da bailarina solista Nildinha Fonseca e participação das crianças da Escola Mãe Hilda e Band’erê. A noite ainda foi animada com um grande show de Lazzo e participação do jamaicano Dr. Norris Weir.
Com a casa cheia, todos esses momentos foram assistidos também pelo Governador do Estado, Rui Costa (PT), o Secretário de Cultura Jorge Portugal, Nelson Pelegrino (Secretário de Turismo), Vera Lúcia (Secretária da Promoção da Igualdade Racial – Sepromi), Olívia Santana, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e pela ministra da Igualdade Racial de 2010 a 2014, Luiza Helena de Bairros.
Para o Secretário de Cultura recém-nomeado, os 41 anos de Ilê é o marco de um grande movimento. “O Ilê é essa mudança na cabeça do negro, que passa a se considerar, elevar sua autoestima, ter respeito por si próprio e saber que ele representa uma estética que é fundamental pra gente reconhecer a cara desse estado e desse país. O país e o estado ainda estão devendo muito a esse povo. Quando você se concentra na figura da mulher, o caminho é ainda mais longo. Mas revolução é processo, cada dia é uma conquista e cada conquista, um troféu. Parece que é uma festa, mas, no fundo, é sempre luta.”
A Noite da Beleza Negra tem patrocínio do Governo da Bahia (através da Secretaria de Cultura – SecultBa), Petrobras, Caixa e Governo Federal.