Nos hospitais privados brasileiros, 88% dos partos são cirúrgicos, diz estudo

Porcentagem na rede privada é superior à taxa nacional, de 52%, a maior em todo o mundo. Organização Mundial da Saúde recomenda que somente 15% dos nascimentos ocorram por cesáreas

por Cida de Oliveira,

De cada 100 mulheres que dão à luz em hospitais particulares no país, 88 são submetidas a cesarianas. A proporção é bem maior do que a média nacional de partos cirúrgicos, de 52%, a maior do mundo, segundo a pesquisa Nascer no Brasil, divulgada na quinta-feira (29) pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A Organização Mundial da Saúde recomenda que somente 15% dos nascimentos ocorram por procedimento cirúrgico – percentual no qual devem estar incluídas intercorrências que podem colocar em risco a vida da mãe ou do bebê. É o caso de primeira gestação em que o feto é muito grande, pesando mais de 4,5 quilos. Quando ele não está posicionado adequadamente, de cabeça para baixo, e sim na posição transversal; há descolamento prematuro da placenta, malformação ou mesmo se tratar de trigêmeos, entre outros.

De acordo com a médica e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca ENSP/Fiocruz e coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal, o dado é preocupante porque a cesariana é prejudicial para mãe e filho. A exposição de ambos aos riscos inerentes a toda cirurgia, como problemas com a anestesia e infecções, antecipa o nascimento do bebê, interferindo no seu desenvolvimento e ganho de peso. Além disso, estudos associam o parto natural a benefícios para a saúde da criança no futuro, como menor propensão a diabetes, asma, alergias e outras doenças não transmissíveis.

Todo esse risco desnecessário à saúde prejudica as contas do SUS, de onde saem os recursos para o pagamento de 80% de todos os partos no país, inclusive os realizados em maternidades particulares conveniadas.

“O índice elevado de cesarianas se deve a uma cultura arraigada no Brasil de que o procedimento é a melhor maneira de se ter um filho. Em parte, isso acontece porque, no Brasil, o parto normal é realizado com muitas intervenções e dor”, disse Maria do Carmo.

Preocupa também os pesquisadores o fato de 70% das gestantes preferir o parto normal mas serem desestimuladas ao longo do pré-natal. Na rede particular, segundo as entrevistadas, apenas 15% receberam apoio dos médicos quanto à escolha. As 30% que optam pela cesariana desde o início da gestação o fazem com medo de sentir muita dor no momento de um parto normal.

A epidemia das cesarianas afeta também as mais jovens. Das mães adolescentes, 42% são submetidas ao procedimento. São, em sua maioria (dois terços), meninas pretas e pardas, com atraso escolar ou fora da escola, das classes C e D, em desvantagem também no acesso ao pré-natal e com frequência a um número menor de consultas. E por terem iniciado a vida reprodutiva precocemente, tendem a ter mais filhos e se expor ainda mais aos riscos da cesariana nas gestações futuras.

Medicalização

Entre as gestantes que tiveram parto normal, 95% relataram ter sido submetidas a procedimentos reprovados pela Organização Mundial da Saúde. Entre eles estão a aplicação de um hormônio para acelerar as contrações e abreviar a duração do trabalho de parto, tornando a dor mais intensa do que naturalmente é, a episiotomia, corte cirúrgico no períneo, um músculo localizado entre a vagina e o ânus, e a proibição para a parturiente se alimentar ou mesmo caminhar durante o trabalho de parto. No Reino Unido, esses procedimentos não chegam a 40% dos casos.

Os pesquisadores defendem modelos de atenção ao parto e nascimento conduzidos por enfermeiros obstétricos e obstetrizes, que aumentam as chances de partos espontâneos e diminuem intervenções desnecessárias. Isso porque esses profissionais estão comprometidos com boas práticas obstétricas, que incluem alternativas para o alívio da dor, com estímulo à movimentação, liberdade para se alimentar e posição verticalizada na hora de parir. “Juntos, esses procedimentos tornam o parto mais confortável e menos doloroso”, explica Maria do Carmo.

Os dados apontam ainda para aspectos psicológicos. Das entrevistadas, 30% afirmaram não desejar a gestação atual, 9% ficaram insatisfeitas com a gravidez e 2,3% relataram ter tentado um aborto. Além disso, a depressão materna foi detectada em 26% das mães entre 6 e 18 meses após o parto, sendo mais frequente entre as mulheres de baixa condição social e econômica, nas pardas e indígenas e nas mulheres sem companheiro, que não desejavam a gravidez e que já tinham três ou mais filhos.

Apesar de o pré-natal ter cobertura universal no país, 60% das gestantes iniciam o acompanhamento tardiamente, após a 12ª semana gestacional. Um quarto delas não chega a frequentar seis consultas, como é recomendado pelo Ministério da Saúde. Outro dado relevante é que apenas 59% receberam orientação sobre a maternidade de referência para terem o bebê.

Outras delas (20% do total de entrevistadas) acabaram procurando mais de um hospital durante o trabalho de parto, aumentando os riscos de complicações para ela e o seu filho. Entre as causas da peregrinação, conforme os pesquisadores, estão a carência de condições de atendimento por falta de médicos, materiais e equipamentos. A Lei 11.634/07 determina que, durante o pré-natal, toda gestante tem o direito de conhecer e vincular-se à maternidade onde receberá atenção no âmbito do SUS.

A proporção de nascimentos prematuros (antes de 37 semanas) encontrada no estudo foi de 11,3%. O dado brasileiro é 55% maior que o da Inglaterra e do País de Gales. Em relação aos bebês que nasceram com 37 ou 38 semanas, a proporção foi de 35%. “Embora não sejam considerados prematuros, esses bebês poderiam ganhar mais peso e maturidade se tivessem a chance de chegar a 39 semanas ou mais de gestação. A epidemia de nascidos com 37 ou 38 semanas no Brasil é, em parte, explicada pelo número elevado de cesarianas agendadas antes do início do trabalho de parto, especialmente no setor privado”, alerta o estudo.

Recomendações

Os dados revelam ainda a escassez de medicamentos e equipamentos mínimos necessários aos atendimentos de emergência voltados à mulher e ao recém-nascido. As regiões com maior deficiência são a Norte e a Nordeste, seguidas pela Centro-Oeste, principalmente em estabelecimentos públicos e mistos. Já as regiões Sul e Sudeste apresentam índices próximos ou até superiores ao patamar da rede privada.

A Nascer no Brasil entrevistou 23.894 mulheres em maternidades públicas, privadas e mistas, e incluiu 266 hospitais de médio e grande porte, localizados em 191 municípios, contemplando capitais e cidades do interior de todos os estados.

Para reverter o quadro, os pesquisadores defendem a atuação conjunta da sociedade. Universidades e instituições de pesquisa devem avaliar periodicamente a estrutura das maternidades, redimensionar os recursos, identificar falhas no acesso e na qualidade do pré-natal, da atenção ao parto e desenvolver estratégias capazes de modificar os determinantes do excesso de cesarianas no país.

Os movimentos sociais, as famílias e as mulheres devem participar das instâncias do SUS e de seu controle social pra influir nas prioridades e implementação de boas práticas de atenção, procurar os direitos na hora do parto, que inclui a escolha e recusa, bem como a presença do acompanhante durante o pré- parto, o parto e o pós-parto, evitar o agendamento do parto antes das 39 semanas, exceto em caso de indicação do médico.

É preciso ainda, segundo eles, ampliar o debate sobre parto e nascimento para as áreas da Educação, Judiciário, Ministério Público e assistência social para reduzir as iniquidades regionais e sociais e lutar pela ampliação do investimento no SUS e exigir que todas as instituições estejam disponíveis, acessíveis, aceitáveis e de boa qualidade.

Fonte:Rede Brasil Atual

 

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