Nubia Regina Moreira: Elas lutam e resistem

De um lado, violência doméstica, ataques de grupos conservadores em ascensão, assédio e desrespeito que remetem a um tempo que já deveria ter ficado para trás há séculos. Do outro, a organização cada vez mais coordenada de movimentos de empoderamento feminino e, mais do que isso, o fortalecimento da discussão sobre os direitos e o protagonismo da mulher na sociedade atual. É apostando em espalhar conhecimento sobre esse segundo cenário que a CPFL Cultura abre uma série de debates online no Café Filosófico de junho, que traz como tema os desafios do feminismo na atualidade. “A cada avanço dos feminismos e da sua difusão no seio da sociedade, podemos visualizar a melhoria na vida das mulheres em todos os setores”, opina Nubia Regina Moreira, uma das palestrantes que participam dos debates. “Mas isso não significa o fim da opressão”, frisa.

Por Thaís Jorge, do Correio Popular 

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Nubia, que é doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UNB), acredita que hoje não existe mais um feminismo, mas vários. “As pautas se atualizaram e retratam as diferenças existentes entre as mulheres. Então, o que temos são novas demandas feministas que são concernentes às singularidades dos sujeitos mulheres”, explica. A pesquisadora, autora do livro A Organização das Feministas Negras no Brasil (2011), estará em Campinas no próximo dia 17 para debater, justamente, sobre feminismo negro. Ela bateu um papo com a Metrópole a respeito do atual cenário do País quando o assunto é protagonismo da mulher, luta e resistência.

Metrópole – Há um movimento que pode ser chamado de novo feminismo?
Nubia Regina Moreira – Penso que as pautas dos feminismos é que se atualizaram, visto que as mulheres estão, de forma geral, mais autônomas, conquistaram espaços e posições no mercado de trabalho, estão mais escolarizadas e possuem um controle sobre sua sexualidade. É claro que essas conquistas estão sendo a todo momento questionadas e atingem diferentemente as mulheres brancas da classe média, as mulheres negras, as pobres, as rurais e as indígenas. Então, o que temos são novas demandas feministas que são concernentes às singularidades dos sujeitos mulheres. Hoje, seria mais coerente falar em feminismos e não feminismo. Os feminismos retratam as diferenças existentes entre as mulheres, essas dariam uma nova roupagem às lutas feministas.

Como a senhora avalia o papel da mulher na atual sociedade? A lógica do patriarcado ainda dita as regras nas famílias, na convivência social e no mercado de trabalho?

O avanço das lutas feministas desestabiliza a ideologia do patriarcado ao mesmo tempo em que essa ideologia, com o apoio de algumas instituições sociais, reforça os valores culturais patriarcais. A cada avanço dos feminismos e da sua difusão no seio da sociedade, podemos visualizar a melhoria na vida das mulheres em todos os setores, mas, principalmente, no processo de escolarização e no mercado de trabalho. Mas isso não significa o fim da opressão contra as mulheres.

O silêncio tem dado espaço a discussões cada vez mais frequentes e abertas sobre direitos da mulher, empoderamento, conscientização e resistência. A que se deve essa mudança de postura de tantas mulheres que resolveram não mais ficar caladas?

Creio que se deve ao alargamento da ideologia feminista em todas as suas nuances, a difusão para todos os segmentos sociais, a divulgação de uma pauta de políticas voltadas para as mulheres por meio dos entes federativos.

Pensando na barbárie que aconteceu no Rio de Janeiro há algumas semanas e nos altos índices desse tipo de crime no País, que tipo de mudança de postura é necessária para finalmente acabar com essa cultura de domínio sobre o corpo feminino?

Entendo que ainda as cenas de estupro em pleno século 21 dizem respeito à forma como historicamente se constituiu a sociedade brasileira, por meio de uma cultura patriarcal e racista que colocou as mulheres numa condição de objeto, de propriedade alheia e sob vigilância dos seus corpos, sentimentos e desejos. Essa opressão posta às mulheres, no entanto, foi questionada pela resistência que elas construiriam em prol da sua sobrevivência e dos seus. As mulheres não estão e não são passivas, elas lutam e resistem, apesar de assistirmos nos dias atuais a políticas que se opõem aos direitos conquistados historicamente.

Existe ainda, na sua opinião, uma ditadura estética para a mulher? Como ela se configura hoje?

Existe, porque a cultura patriarcal espera que as mulheres desempenhem um papel social a elas designado. A magreza, a brancura e a heteronormatividade parecem ainda imperar como critérios para desempenho desse padrão estético feminino.

E com relação ao feminismo negro? Como ele tem se fortalecido ao longo dos últimos anos?

O feminismo negro surge como uma demanda das mulheres negras que questionaram a ideia universal do feminismo de mulheres brancas de classe média. É um movimento que entende que a questão racial impacta de forma significativa a vida das mulheres negras brasileiras em todas as suas nuances: educacional, profissional e afetivo-sexual .

Muitas pessoas enxergam o feminismo como um antagonista radical que prega o mesmo que o machismo, mas ao contrário. A senhora poderia explicar a diferença entre os termos?

Os feminismos lutam contra a opressão das mulheres, objetivam a busca da igualdade, a ampliação de direitos para elas. Se opõem, portanto ao machismo, ou melhor, à ideologia machista que posiciona o gênero masculino como polo superior nas relações de poder.

Qual a importância dos meios de comunicação na luta feminista? Qual a sua opinião sobre campanhas como a #meuprimeiroassédio, que aconteceu na internet e acabou servindo como um espelho da realidade sobre o assédio?

Todas as campanhas que contribuem para a consolidação e a difusão das lutas feministas são necessárias e importantes, porque o seu alcance é amplo e irrestrito.

Programe-se!
Café Filosófico com Nubia Regina Moreira
Dia 17/6, às 19h
Onde: CPFL Cultura (Rua Jorge Figueiredo Correa, 1.632, Chácara Primavera)
Entrada franca

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