O cenário da pandemia ainda não passou e, curiosamente ou assustadoramente, muitas pessoas já estão pensando nas próximas eleições. E desde já quero apontar que um dos meus critérios para a seleção de candidatas e candidatos é esse: se ainda está exercendo o seu mandato, mas já está pensando nas próximas eleições e parou de fazer o que deveria estar fazendo dentro do cenário político, perdeu o meu voto!
Simples assim. Queimou a largada! E agora, da minha parte, só terá nova chance lá na frente. É a vida, é o erro que cometeu. Faltou dessa figura pública lutar com dignidade por salvar vidas. Preocupou-se com sua vida política e não honrou o meu voto. E bem provavelmente o seu também, cara leitora e caro leitor.
Pensando agora no cargo maior do nosso país que, ainda considerado democrático, e para fortalecer essa condição, apontarei alguns critérios para justificar uma potencial candidata a esse cargo:
– Representatividade por gênero: o Brasil é um país onde há mais mulheres, sendo 51,8% (108,4 milhões), de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2020. Dessa forma, seria bem razoável e lógico que uma pessoa do gênero feminino pudesse representar a nossa nação.
Além do mais, em tempos de pandemia, diversos países que tiveram no seu cargo maior uma mulher, conseguiram manejar um pouco melhor o impacto decorrente da covid-19 e ofertar intervenções para o seu enfrentamento. Defender que no Brasil esse cargo seja ocupado por uma mulher, velha e negra seria trazer a experiência de alguém que já passou ou conviveu muito de perto com diversos problemas que estruturam as desigualdades de hoje, como o machismo, a misoginia e a discriminação por gênero e desigualdades nas oportunidades quando comparadas aos homens. A busca por soluções seria um dos grandes anseios dessa candidata.
– Representatividade étnico-racial: nas últimas duas décadas, o Brasil vem se autodeclarando mais negro, isto é, mais pessoas começaram a reconhecer sua identidade negra e passaram a verbalizar que são pretas ou pardas. Dados da Pnad apontaram que, de 2012 para 2019, o percentual de pessoas que se autodeclaravam pretas saiu de 7,4% para 9,4%, de pessoas pardas foi de 45,3% para 46,8%, enquanto brancos reduziram de 46,6% para 42,7%.
Isso deveria fazer a roda da vida brasileira girar diferente! Deveria existir um estranhamento o fato de o Brasil ser o país com mais pessoas negras fora do continente africano e uma mulher negra ainda não ter ocupado um cargo presidencial. Não vale dizer que não há pessoas com capacidade para isso! A força política das pessoas negras sempre existiu e, mais recentemente na nossa história, cargos estratégicos começaram a estar mais próximos das pessoas negras. O próximo passo é convidar as pessoas negras com conhecimento técnico e reconhecimento da sua negritude a assumirem esses cargos.
– Representatividade etária: esse é outra esquina da trajetória da história brasileira que tememos: uma idosa como presidenta. Independentemente da forma de condução da gestão que ocorreu em 2010, é necessário assumir que boa parte da sociedade tratou a senhora Dilma Rousseff muito mal. Nossa primeira presidenta foi uma mulher idosa e sofreu muita discriminação!
Adesivos em tanques de gasolina com foto da presidenta, piadas machistas e tantas outras violências praticadas mostraram um país machista, misógino e com pouco tolerância para uma administração feminina. Não aprendemos o que significava uma mulher e sua representatividade para mais da metade da população! Sim, elas podem!
“A questão é essa: o Brasil merece uma outra mulher como presidenta? Como sociedade, será que estamos dando o espaço necessário para a diversidade lá no Planalto?“
Nossos votos nem sempre demonstram essa nossa vontade, já que mantemos uma estrutura sem a proporção de representantes dos mais diversos grupos sociais que compõe o povo brasileiro. Outra parte da sociedade brasileira, menos da metade populacional, tem que aceitar e, mais que isso, respeitar. Além disso, a pesquisa Pnad mostra um aumento de 2% da população acima de 65 anos, considerando o intervalo de 2012 a 2019.
Dessa forma, associando as representatividades, defender uma candidata mulher, negra e idosa é traçar um perfil da população brasileira dos próximos anos. Já tentamos outros perfis nesse cargo: ora deu certo, ora não deu, ora foi mais ou menos, mas nunca tentamos uma mulher negra e idosa.
Além disso, historicamente, há muitas chances dessas mulheres terem convivido com problemas sociais ainda vigentes e, a partir da Constituição Brasileira, defenderem a necessidade do aumento do acesso a água, a uma rede de esgotamento sanitário adequado e ao lixo coletado regularmente.
Outras pautas, como direito à moradia adequada, educação em todas as fases da vida, segurança, saúde, economia, trabalho, lazer e cultura estariam permanentemente em pauta já que essas idosas entendem muito bem a conexão existente entre essas áreas e como as ações interssetoriais são soluções assertivas que se pode fazer para obter resultados mais duradouros e com maiores repercussões no país e até fora dele.
Por outro lado dessa corrida eleitoral, cabe entender os motivos dessa candidatura ainda não ter acontecido. Na representatividade por gênero, ainda é necessária uma coesão para que pessoas do gênero feminino defendam direitos necessários a todas e, talvez o mais difícil, que legitimem os direitos específicos, como acesso a creches, inclusão no mercado de trabalho, do nome social e outros.
Sem esses acordos, enfraquece-se qualquer tentativa de uma candidata. Os homens precisam desconstruir a ideologia machista que ajuda a estruturar e manter boa parte das violências que permeiam a nossa sociedade.
Na representatividade étnica-racial, pessoas não negras precisam entender que um Brasil melhor para negros e negras será, obrigatoriamente, melhor para todos os outros grupos étnico-raciais. A experiência de outros países desenvolvidos mostra que onde há menos desigualdades e iniquidades, vive-se melhor, pois compartilha-se os bons serviços, acessos e oportunidades.
“Não devemos temer o crescimento de grupos sociais que, por muitas décadas, jamais tiveram oportunidades como aquelas que estavam surgindo dois mandatos presidenciais atrás.“
E essa candidata de pele escura precisa trazer sua ancestralidade que valoriza a pluralidade cultural e religiosa, as relações intergeracionais, a escuta, a valorização da mulher, a aceitação de todos os gêneros, uma economia comunitária, enfim, não pode repetir erros fundamentados em práticas que, atualmente, percebemos que só aumentaram os abismos entre grupos sociais.
Quanto ao aspecto etário, pessoas idosas são, constantemente, discriminadas a ponto de internalizar uma situação de baixa autoestima. Ter uma pessoa idosa e que se reconhece como idosa e usa esse espaço trazendo as experiências da vida e, no caso, da vida política, poderia mostrar caminhos que não teríamos êxito para a resolução de problemas, apontar novos caminhos, ouvir opiniões divergentes e exercer, com respeito e a experiência dos anos vividos, que o importante é o bem maior que, no caso, seria a vida de milhões de brasileiros e brasileiras.
A idade da candidata mais velha poderia ditar um ritmo de crescimento jamais presenciado, fazer um caminho sem volta e rumo à prosperidade. Sua dedicação poderia ser maior que muitos outros e outras políticas mais jovens que ela. Ela usaria as palavras certas para uma boa reunião: “bom dia”, “por gentileza”, mas também da decisão: “agora já discutimos o suficiente” ou da aproximação: “por que vocês não procuram se entender primeiro?”
Para quem quer sonhar comigo, segue sugestões de potenciais candidatas que, pelo tamanho da coluna, precisarei resumir suas qualidades:
– Lúcia Xavier: assistente social e ativista. Uma das mulheres mais sábias e competentes no campo dos direitos humanos que já conheci e uma das fundadoras da ONG Criola;
– Leci Brandão: política e defensora da educação e da cultura. É uma comunicadora por excelência. Faz das músicas, dos palcos e dos palanques suas estratégias para o fortalecimento dos direitos de grupos sociais em vulnerabilidade;
– Benedita da Silva: política cuja trajetória de vida e profissional resumem sua vocação, comprometimento e intenção de mudar o rumo desse país;
– Sueli Carneiro: filósofa e ativista. Uma das mentes pensantes que ajudou a base da pirâmide populacional brasileira se mexer. Sim, o feminismo no Brasil é melhor porque ela ajudou neste propósito;
– Nilma Lino Gomes: pedagoga e política. É uma das mentes pensantes da pedagogia no Brasil e que busca apresentar um Brasil das suas pluralidades étnico-raciais, entender problemas e apresentar muitas soluções;
– Sônia Guimarães: física e professora do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). Uma pesquisadora que tem a inovação e a estratégia de ocupar espaços por mérito e competência técnica;
– Kika Silva (Doné Kika de Gbessen): uma ativista e política. É uma conhecedora dos “jogos partidários” e das articulações políticas. É uma das provocadoras de candidaturas de mulheres idosas negras em espaços de tomada de decisão política.
Essas são algumas das candidatas que apresento, na certeza de que muitas outras não foram citadas aqui.
E como política é saber fazer articulações e pactuações, esta lista pode ser também de potenciais candidatas a cargos ministeriais, se ainda não temos a ousadia para colocar uma dessas no próximo mandato presidencial.
Dessas potenciais candidatas aprendemos que a transgressão é necessária, pois nos dá propósito de vida e não apenas para uma sobrevivência sem ambição. Elas nos mostram que um Brasil com menos práticas discriminatórias é possível e que trará aquela boa sensação de evolução de uma nação.
Todas essas mulheres candidatas teriam as bênçãos e as orientações espirituais de Carolina de Jesus, uma das maiores conhecedoras dos problemas sociais que o Brasil já teve.