“O caminho de casa” Premiado romance de Yaa Gyasi acompanha descendentes de duas irmãs africanas

FONTEPor Sérgio Luz, do O Globo
A escritora americana Yaa Gyasi (Foto: Michael Lionstar / Divulgação)

Nascida em Gana, a escritora americana Yaa Gyasi causou um burburinho no mercado editorial quando surgiu com seu primeiro livro, “O caminho de casa” (recém-lançado no Brasil pela Rocco), gerando uma disputa que ultrapassou a barreira de 1 US$ milhão para ver quem o publicaria. E a expectativa não foi à toa, já que o romance rendeu à autora de 27 anos o prêmio PEN/Hemingway de melhor romance de estreia. O épico acompanha a trajetória de descendentes de duas meio-irmãs ganesas, Effia e Esi, de meados do século XVIII até os dias de hoje, passando pelos calabouços da costa africana, pelos campos de plantação dos estados sulistas e pela Guerra Civil americana. Enquanto uma se casa com um senhor de terras britânico, a outra é vendida como escrava para os EUA. Em entrevista por e-mail para O GLOBO, Yaa conta os motivos que a levaram a escrever o ambicioso livro, que apresenta a perspectiva de um personagem novo a cada capítulo, através de oito gerações.

Você foi a Gana em 2009. Como aquela visita influenciou sua escrita?
A viagem foi o gênesis de “O caminho de casa”. Visitar o Castelo de Cape Coast (fortificação de onde negros escravizados eram enviados para a América) foi uma experiência aterrorizante. Eu me lembro de estar parada nos calabouços e sentir raiva e tristeza ao mesmo tempo.
Por que você escolheu narrar a trama através dos descendentes das irmãs Effia e Esi?

Eu decidi contar essa história através de gerações porque eu queria que os leitores pudessem ver de perto como a escravidão e o colonialismo mudaram gradualmente durante esse longo período de tempo. E um formato multigeracional me permitiu isso.

No livro, você aborda bastante a questão do acaso como fator preponderante na vida dos personagens. Você vê a arbitrariedade como a força motriz da História?

Eu acredito que a História possa alterar o destino de alguém, mas não creio que ela ou o destino sejam arbitrários. Muitas coisas que têm um impacto enorme em nossas vidas estão totalmente fora do nosso controle. Onde nascemos, por exemplo, ou o que nossos pais fazem para sobreviver. Nós podemos tomar decisões que nos afastem do ponto de partida, mas não podemos mudar esse ponto de partida.

Você acredita que a geografia afetou a sua prosa e suas crenças?

Sim, sem dúvida. Eu vivi em muitos lugares diferentes. Tive a oportunidade de conhecer pessoas de credos distintos, que se comportam de outras maneiras. Isso me ajudou a não ser uma mulher de cabeça fechada.

Como foi sua experiência como uma imigrante africana crescendo em estados sulistas dos EUA como o Alabama e o Tennessee?

Não havia outros imigrantes da África Ocidental quando minha família se mudou para o Alabama. Então, acredito que tenha sido bastante desolador, especialmente para meus pais, que estavam acostumados com uma vida em comunidade. Foi bastante difícil para a gente encontrar nosso lugar.

Você disse numa entrevista que o trauma é hereditário. Por quê?

Eu acho que vemos repetidamente como algumas formas de trauma são cíclicas. Nós já sabemos que crianças que sofrem abuso ou testemunham casos de violência doméstica têm mais propensão a repetir esse comportamento quando adultas. Repito: as pessoas podem escapar desses padrões, mas acho que podemos herdar marcas, tanto invisíveis quanto visíveis, físicas.

Como os séculos de escravidão moldaram os EUA de hoje?

Os negros americanos foram libertados há apenas 152 anos, o que significa que estamos a apenas duas ou três gerações da escravidão. Acredito que muitos dos antigos preconceitos ainda sigam de pé, principalmente a ideia de que os brancos sejam superiores aos negros. E ainda há esse racismo que se manifesta numa miríade de maneiras, como pessoas com nomes tradicionais africanos que não são escolhidas para uma vaga de emprego mesmo tendo uma qualificação tão boa quanto a de candidatos brancos. Sem esquecer o fato de que os negros têm uma probabilidade muito maior de serem presos.

Após uma história de opressão, é possível alcançar alguma reparação?

Sim. Mas para isso acontecer os americanos teriam primeiro que admitir que há um problema. E isso não ocorreu.

Você já sofreu preconceito nos meios literário e acadêmico?

Recentemente, um motorista me buscou para um evento. E ele não conseguia esconder seu choque pelo fato de que eu era a pessoa que ele precisava levar em seu carro.

Você venceu o PEN/Hemingway e obteve um adiantamento de um valor de sete dígitos por “O caminho de casa”. Como isso tudo te afetou?

O sucesso abriu muitas portas para mim, sou bastante grata por isso. E também me fez compreender melhor como funciona a máquina do mundo editorial, o que não é necessariamente uma coisa boa.

Afinal, onde você se sente em casa?

No momento, minha casa é Nova York. Mas acho que lar é qualquer lugar onde estão as pessoas que você ama.

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