O clube dos encoxadores

O que passa pela cabeça dos caras que atacam as mulheres no transporte público?

Ivan Martins

Vocês se lembram do caso do homem foi preso em São Paulo ao tentar violentar uma moça dentro de um trem urbano, não? Aconteceu faz uns três meses. A moça chegou à delegacia com o braço machucado e a calça rasgada. Estava suja de sêmen do sujeito, um estudante de administração. “Não me aguentei”, ele disse ao delegado. A polícia contou, depois, que antes de atacar a moça, o cara lia uma página do Facebook em que tarados deixam comentários sobre os melhores locais e horários para se esfregar em mulheres no transporte público. É o clube dos encoxadores.

Ontem tentei descobrir o que aconteceu com o estudante preso em flagrante, mas não há mais notícias sobre ele. O caso sumiu, como as coisas somem na internet depois que o público de desinteressa por elas. O problema dos encoxadores, porém, continua.

Qualquer um que respeite as mulheres oscila entre o ódio e o desprezo por esse tipo de sujeito. Imagine a sua mulher, a sua namorada, sua filha de 14 anos num trem lotado e, atrás dela, babando, um escroto se aproveitando da situação. Se a mulher for boa de briga e destemida, pode rodar a baiana e se livrar do canalha. Mas nem todas são assim. Muitas se amedrontam com a situação ou protestam timidamente, e acabam insultadas pelo agressor. Um trem lotado às 7 da noite, cheio de homens, pode não ser o lugar mais acolhedor do mundo para as queixas femininas. É por isso que existem, na Índia e no Rio de Janeiro, vagões exclusivos para as mulheres. Eles representam a admissão de uma derrota da civilização, mas podem ser uma forma de combater o problema. É caso a se pensar.

Mas difícil é lidar com o clube dos encoxadores da internet. A polícia diz que há uns 40 sites em que eles trocam vídeos e comentários sobre o que fazem. Um deles tinha 12 mil freqüentadores.

Um mês antes de ser preso em flagrante, o estuprador de São Paulo deixou depoimentos no Facebook em que dividia com outros tarados a sua excitação em circular por trens e metrôs da cidade, se esfregando nas mulheres. “Encoxadas viciam. Consensuais, mais ainda. Meu tesão está incontrolável”, ele escreveu. Eu, que desconfio das palavras, gostaria de entender o que esse tipo de personalidade chama de “consensual”. Agarrar pelo braço até machucar, rasgar as calças da moça e gozar nas costas dela como um bicho, no meio de um lugar público, seria consenso? Como ele foi pego, certamente não. Mas, se tivesse escapado, poderia voltar ao Facebook para se gabar de ter achado uma “encoxatriz” sensacional no trem da CPTM. Quem poderia desmenti-lo?

Também me preocupo com quem frequenta esse tipo de página da internet. Não se trata de grupos em que homens e mulheres combinam para se esfregar nos vagões dos trens. Contra isso não haveria nada a dizer. Encontros sexuais que a maioria das pessoas acharia esquisito ocorrem o tempo todo, em toda parte do mundo. A única regra universal é que são produto de um acordo entre duas ou mais pessoas, e ocorrem de forma totalmente voluntária. O que acontece no site dos encoxadores nada tem a ver com isso. São apenas homens discutindo onde emboscar as mulheres e como desfrutar do corpo delas. É uma conversa de predadores. O sujeito que tentou estuprar a moça no trem da CPTM punha seu nome de batismo no Facebook e informava o seu estado civil. Devia achar normal o que dizia. Não houve ninguém para avisar que ele estava louco, que aquilo que ele fazia era inaceitável, que poderia ser preso, como foi. Seus colegas de página curtiam os posts e escreviam comentários de incentivo. Por quê?

Pode-se partir do princípio de que todos os visitantes desse tipo de sites são também estupradores, mas eu duvido. Se pudesse apostar, diria que a maioria é formada por masturbadores inofensivos que vivem num planeta moral que orbita ao lado do nosso. É também o planeta de um tipo de fetichista que extrai prazer de roçar intencionalmente nas mulheres, sem o consentimento delas, especialmente em lugares públicos. Os homens que têm esse tipo de desvio sexual são chamados de frotteristas, palavra que vem do verbo francês frotter, que quer dizer raspar. Alguns psicólogos consideram isso uma patologia, outros, não. O código penal brasileiro diz que é crime.

Para a mulher que está no ônibus e se sente fisicamente prensada por um homem excitado, não interessa se é um velho fetichista ou um adolescente idiota que está seguindo as recomendações de um amigo espertalhão. Importa que ela posse gritar bem alto e que o cara saiba que, se não sair correndo, vai ser levado à polícia e fichado. Importante, também, é as pessoas que participam desses grupos de molestadores na internet saberem que estão sendo monitoradas pelas autoridades. Numa noite qualquer de quarta-feira, um carro de polícia pode parar na porta da casa delas e levá-las para serem indiciadas. É só uma questão de tempo antes que isso aconteça e que um monte de encoxadores e filmadores vire notícia no Fantástico. Quando isso acontecer, será uma pequena vitória das mulheres sobre os tarados – e da civilização sobre a barbárie.

 

Fonte: Época

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