O corpo negro na Educação Física escolar

O presente ensaio tem com proposta provocar alguma reflexão sobre o corpo negro na Educação Física escolar, esse ácido caminho se depara com algumas formas do racismo, dentre eles, o científico, institucional e estrutural.

Não rara as vezes deparamos com narrativas que dizem que o negro é bom para o esporte. Falsos discursos que se aportam nas “ciências”, para “subsidiar” essas narrativas, dentre elas, que o negro é melhor na corrida de velocidade por ter mais fibras musculares tipo branca, em detrimento a corrida de longas distâncias, que requer mais as fibras vermelhas, ou retóricas que a população negra tem dificuldade com a natação, devida sua densidade corporal.

Ao pensar no domínio dos Quenianos e Etíopes na corrida de São Silvestre, já invalida a questão das corridas de longas distâncias, se a premissa é falsa, a afirmação não é verdadeira. No que tange a natação não se discute o não acesso do negro nas piscinas, sendo a piscina símbolo de riqueza, a população negra está longe dessa condição. Outro ponto referente a esse esporte, é que a grande maioria dos nadadores são formados dentro de clubes particulares, como Pinheiros em São Paulo, Minas Tênis Clube em Belo Horizonte, locais de acesso a população branca, ou seja, como aprender a nadar fora da piscina? Para esconder as estruturas racistas que permeiam no Brasil, utiliza-se de uma única ciência, a biológica e de forma equivocada.

No Brasil, as teorias racistas científicas apontavam que em 100 anos, através da miscigenação, o país seria constituído só por pessoas brancas, a pureza da “raça” ariana.

Essas falácias mesmo desmascaradas continuam vigentes pelos racistas, como por exemplo, quando se estreita o negro ao esporte, com base em uma falsa ciência; essa “teoria” tem como base as atividades corporais que não necessitava do intelecto, retomando a ideia do processo de escravidão; o pensar, o civilizado, a capacidade de liderança é de domínio do homem branco.

Com base no exposto acima, adentramos ao mundo da educação formal e a Educação Física escolar. A escola por ser na maioria das vezes o primeiro espaço de relação entre pessoas fora do núcleo familiar, não raras vezes o contato da menina , do menino negro com o racismo é no ambiente escolar.

No artigo “O papel central da escola no enfrentamento do racismo” pelo portal Geledés, apresenta- se parte da desigualdade entre brancos e negros no sistema educacional. “E sendo a escola elemento nevrálgico para qualquer mudança comportamental, discussões antirracistas devem fazer parte do cotidiano escolar”.

E nós professores de Educação Física temos que valorar o corpo negro, não esconde-los no fundo da sala, ou da quadra, mas valorizar e não reduzir, “ao menino/a” bom de futebol. Enaltecer e explorar as potencialidades de um corpo que historicamente é marcado pelo enfrentamento das adversidades, um corpo cujo teor da sua melanina e dentro de estruturas racistas como a nossa, faz o espaço da rua ser seu único local de “privilégio”.

Explorar esse corpo construindo possibilidades de protagonismo em todas vertentes que permeia a cultura corporal de movimento e a educação como todo. Um corpo emancipado que não se restringe a biologia e não adentre a lógica disciplinar de Foucault (2006).

Compreendemos a complexidade da temática, pois em um racismo institucional, pensada por estruturas racistas, inviabilizam o acesso a esse conhecimento; não nos ensinam a temática negra na escola e muito menos nas faculdades, mas em analogia e consonância com Arendt (2002, p.39) “Muitos dizem que não se pode lutar contra o totalitarismo sem compreendê-lo. Felizmente isso não é verdade; se fosse, nossa causa estaria perdida”. Ou seja, nós professores de Educação Física escolar, mesmo sem um bom letramento racial, podemos contribuir na luta antirracista de forma significativa, valorizando em todas as possibilidades e potencialidades do corpo negro. Pois

A educação possui um papel transformador e central na sociedade, de modo que, se a construção de um ensino antirracista envolve múltiplas abordagens e perspectivas, isso se deve ao caráter estrutural e sistêmico que o próprio racismo possui em nosso cotidiano. Educar para a diversidade, enfrentando as desigualdades, é um desafio histórico que demanda escuta, atenção e compromisso com a equidade. (GELEDÉS, 2020)

REFERÊNCIAS:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad.: Raquel Ramalhete. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2006.

HANNAH, Arendt: A dignidade da política: ensaios e conferências. Trad.: Helena Martins e outros. 3. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.

PORTAL GELEDÉS: Disponível em: https://www.geledes.org.br/o-papel-central-da-escola-no-enfrentamento-do-racismo/. Acesso em: 27/03/2021.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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