As cotas raciais nas universidades são um assunto bem polêmico. Eu sou branco, e sempre fui contra. “Se eu acerto 80% das perguntas, como posso perder a vaga para alguém que acertou 79%, só porque ele é negro?”, eis a pergunta, a questão, a razão da indignação.
por Fábio Burch Salvador via Guest Post para o Portal Geledés
Bom. Eu ainda considero injusto, do ponto de vista individual, que um sujeito não ocupe uma vaga tendo acertado mais questões do que o outro. Minha visão é matemática, cartesiana. Nasci para ser Spock. Gosto de sistemas de cálculo livres de condicionantes.
Mas chegou o dia em que passei a apoiar as cotas.
Foi assim: eu estava vendo TV, e estávamos bem no meio daquela polêmica dos médicos cubanos. Uma brasileira chegou a dizer que as médicas da ilha de Fidel nem tinham “cara de médica”, e sim, “cara de empregada doméstica”. Claro! As cubanas eram, em sua maioria, mulheres de baixa estatura, e negras ou mestiças.
Uma luz brilhou na minha cabeça: se eu pegasse uma foto, mostrando uma mulher loira e alta ao lado de outra, negra, meio gordinha, e dissesse às pessoas que ali havia uma médica e sua faxineira, tenho certeza que 99% das pessoas apontaria a branca como sendo a médica.
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Porque a outra, segundo o senso comum, tem “cara de doméstica”.
No século retrasado, teria “cara de escrava”. Ou seja, evolução que é bom, nada.
E aí passei a apoiar as cotas: elas devem existir até que hajam tantas médicas negras nos hospitais ao lado das médicas brancas, que as pessoas passem a ser incapazes de determinar quem é a faxineira, ao olhar para a foto.
Precisamos das cotas até o dia em que, ao entrar no Fórum, não fiquemos adivinhando quem é advogado, policial ou bandido só olhando a cor da pele.
Hoje apoio as cotas – tapando os olhos para o aspecto das pequenas injustiças pessoais que certamente ocorrem (o negro de família abastada que se beneficia, por exemplo, e tira a vaga de um outro jovem, branco mas “mal nascido”). São pequenas coisas. Não se faz omelete sem quebrar uns ovos.
Apoio porque é um instrumento essencial para misturar todas as cores em todos os níveis sociais e em todas as ocupações. E relegar ao passado essa odiosa noção, que nos parece tão natural (a brancos e negros), de olhar para uma pessoa, por sua pele, seu cabelo, e dizer que ela tem “cara de” qualquer coisa.