O doce fetiche das janelas com “namoradeiras” e floreiras

As janelas que dão para a rua possuem um quê de magia e dizem muito de quem mandou fazer aquela casa. Dar uma “olhadinha” na janela é apreender um pouco do mundo em volta de nós…

Por  Fátima Oliveira

 

Do que mais sinto saudades em uma casa na qual morei, há muitos anos, é da janela – enorme, de ferro “trabalhado”, decorada com vidros de várias cores e um peitoril largo, base inferior da janela, que se projeta além da parede e funciona como parapeito. É uma janela única, eu a desenhei, e belíssima. No peitoril, uma floreira de 11 horas… Quando saí de lá, só pensava em como seria difícil viver sem a minha janela. E tem sido um tormento.

Relembro com ternura as duas janelas da sala de visita, que davam para a rua, da casa de minha avó… Eu ficava ali no fim da tarde, sentada no peitoril, lendo e tirando prosa com quem passava… E olhando os rapazes que subiam e desciam a rua. Era o horário em que as moças se exibiam em suas janelas. Um dos piores castigos era a proibição de “não botar a cabeça na janela”…

Gosto de olhar janelas. É uma doce maluquice… Como simbolismo de que delas se veem o pulsar da vida e o mundo, as janelas significam liberdade… Tenho atração especial pelas janelas de São Luís (MA) e as de Minas – em Belo Horizonte, cidade relativamente nova, há janelas de beleza estonteante.

Namoradeira na janela pode ser brega, mas encanta pelo ar brejeiro e pelo que encobre. Como disse o poeta: “Janelas que contam histórias/ Falando de muitos ais/ Que afligiram os corações/ Das mulheres de Minas Gerais” (Marco Santos, em “Janelas de Minas”). Com “namoradeiras”, provocam mil e uma viagens. As “namoradeiras” são bonecas artesanais lindíssimas – cabeça, ombros, braços e busto – de cerâmica, madeira ou gesso e de tamanho variável.

São sesquicentenárias como artigo de decoração. Como surgiram não se sabe, mas foi em Minas Gerais. Para uns, pela origem mineira, expressam preconceitos contra as mulheres: “carolinas na janela” vendo a vida passar, à espera de um príncipe encantado; ou simbolizam mulheres da difícil vida fácil. Um estereótipo da mulher negra mineira: em geral, são negras de vestes coloridas e decotadas, faces exuberantemente insinuante… Considero uma polêmica dispensável, pois é um artesanato que vejo como uma obra de arte da maior beleza e singularidade.

Em medicina há os conceitos de janela terapêutica – área (ou faixa) entre a dose eficaz mínima e a máxima permitida de um remédio em que os resultados terapêuticos são positivos; e de janela imunológica – tempo entre a infecção e o início da formação de anticorpos contra o agente causador. São conceitos que evidenciam uma apropriação precisa e genial da palavra “janela”: um espaço de espera, de dar um tempo…

A poesia do vocábulo “janela” é o tempo de olhar e de esperar com que cada pessoa se presenteia para respirar. Uma janela é essencial para o bem-estar, pois ela em si é terapêutica, tanto para arejar a casa como a mente, logo, é acertado dizer, poeticamente, que as políticas de saúde para quem vive em sofrimento mental devem ser janelas para a alma.

O ministro Padilha sabe que o enfrentamento do crack é multi e transdisciplinar e exige saber construir janelas para a alma, logo, não deve temer usar as prerrogativas do cargo de autoridade sanitária do país para criar leitos hospitalares, ainda que decretando vaga zero, para que o socorro na indicação de internação necessária chegue antes da morte na sarjeta, como um cão sem dono.

Fonte: O Tempo

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