“Em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, realizou-se o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, do qual decorreram duas decisões: a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a definição do 25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha.
Por Fátima Oliveira, do O Tempo
Ilustração Duke/O Tempo
“A data objetiva ser polo de aglutinação internacional da resistência das negras à cidadania de segunda categoria na região em que vivem, sob a égide das opressões de gênero e étnico-raciais, e assim ‘ampliar e fortalecer organizações e a identidade das negras, construindo estratégias para o enfrentamento do racismo e do sexismo’.
“(…) Faltam esforços dos governos para a efetivação dos nossos direitos humanos. Partícipes das lutas das mulheres em geral, incluindo o Dia Internacional da Mulher, nós, as negras feministas, sabemos que é preciso uma data toda nossa a partir da compreensão de que não há uma mulher universal. Entre as mulheres há fossos de classe e raciais-étnicos; e a ‘sororidade’ entre as mulheres é algo que não existe. Então, temos de estar na luta por nossa própria conta” (“25 de julho: Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe”, O TEMPO, 23.7.2013).
Só em 19.7.2013 a então presidente Dilma Rousseff recebeu, pela primeira vez, lideranças de mulheres negras, reunião arduamente articulada pela então ministra Luiza Bairros (1953-2016), da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, na qual foi reafirmado o compromisso do governo no combate à discriminação racial, o reconhecimento do racismo institucional e esforços para implantar o ensino da cultura africana nas escolas.
Na ocasião, faltou Padilha, o então ministro da Saúde, engavetador da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e que, na Rede Cegonha, “esqueceu” o recorte racial-étnico! A omissão era abissal: o programa foi enterrado com uma caveira em algum canto do Ministério da Saúde, diante do que lacrei: “Há algo simples que um governo antirracista precisa fazer, que não foi assumido, mas basta vontade política: entender que só combater a pobreza é pouco para debelar o racismo” (O TEMPO, 26.4.2011) porque pobreza é uma coisa e racismo é outra; e, embora possam estar juntas, têm dinâmicas diferentes!
No atual cenário nacional de trevas, tentam impor a agenda de demolição da universalidade do SUS, flertam com o fundamentalismo e não reconhecem o racismo na saúde. Busquemos brechas antirracistas nos Estados, pois ficamos no “ora veja”, apesar das pelejas de Luiza Bairros, a quem digo “obrigada pela turronice e teimosia!”
Escrevi “Saúde da População Negra: Brasil Ano 2001” por estímulo/exigência do tino político de Luiza Bairros, à época no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que buscou recursos na Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), e naquele estilão inconfundível Luiza Bairros, com a minuta do contrato de consultoria na mão, disse-me: “Fátima, está aqui o recurso, tire férias/licença e escreva o que só você escreverá! Ou não o teremos”. Não consegui férias nem licença, e meu computador “escangalhou” para sempre! Aluguei um. Computadores eram caríssimos naquela época! Entreguei a consultoria no prazo: três meses. Emagreci 10 kg! Em alguns dias, desejei virar lenda!
“Saúde da População Negra: Brasil Ano 2001”, de minha autoria, obra de grande projeção internacional, é a primeira sistematização sobre saúde da população negra escrito no Brasil, produto de uma consultoria para a Opas; foi idealizada por Luiza Bairros.