‘O futuro pode ser o que a gente quiser’, diz pesquisadora queniana que usa tecnologia para empoderar mulheres

Muthoni Wanyoike está no Brasil para palestra no festival Futuros Possiveis, que acontece na Casa Firjan

Por Constança Tatsch, Do O Globo

Muthoni Wanyoike, especialista em inteligência artificial Foto: Paula Johas/Firjan

A queniana Muthoni Wanyoike , 27 anos, é especialista em inteligência artificial e tem como missão trazer mais mulheres para o mercado de trabalho . A chave para isso é a flexibilidade que só a tecnologia pode oferecer. Organizadora da Women in Machine Learning and Data Science (WiML), em Nairóbi, Muthoni veio ao Brasil para ministrar a palestra “A inteligência artificial promoverá igualdade entre as nações”, no Festival Futuros Possíveis, que acontece neste sábado (7), na Casa Firjan, no Rio de Janeiro.

Ela conversou com CELINA sobre tecnologia, machismo e projeos educacionais que abrem novas possibilidades para as mulheres no mercado de trabalho.

Sobre o que é sua palestra no Festival Futuros Possíveis?

Como podemos usar inteligência artificial para trazer igualdade, contra algumas lacunas globais. Eu venho do Quênia, que fica na África subsaariana, então tem muita pobreza e desafios em saúde e em direitos humanos. Como podemos usar a tecnologia para as pessoas poderem ter acesso a serviços básicos e maior qualidade de vida? Eu acho que isso é possível com tecnologia. Podemos encontrar soluções para que isso seja mais fácil e mais barato, otimizando os recursos que temos para resolver os problemas que estão lá.

Que tipo de exemplo prático você pode nos dar sobre esse uso da tecnologia?

Sou muito apaixonada por educação e dei aula em diferentes espaços por um longo tempo. Meu pai é professor, então sempre falamos muito sobre isso. Eu dava aula de ciências para adultos que não tiveram chance de ir à escola, mas nos últimos três anos construí uma comunidade para mulheres que têm interesse em dados, máquinas e tecnologia. Nos encontrávamos mensalmente e tínhamos especialistas para ensinar ou compartilhar conhecimento. Depois, começamos a construir currículos com programas de aprendizado, que duram cerca de quatro meses. Damos o conteúdo a essas mulheres, elas frequentam os laboratórios e fazem um projeto prático no final. Obtivemos muito sucesso. Mulheres conseguiram trabalhos on-line, mais flexíveis.

Você acha que essa flexibilidade é a chave para que mais mulheres estudem e consigam trabalhar?

Agora estou focando nisso, porque há uma lacuna grande, uma necessidade de trabalhos que empoderem mulheres para que estejam onde querem ou precisem estar. Se tem uma criança pequena e quer estar com ela, então você consegue um trabalho que te permita fazer isso. Se você quer ter um trabalho regular, também pode. Eu adoro a flexibilidade que a tecnologia está nos dando. Temos uma internet boa em Nairóbi então você pode trabalhar de casa. Isso mudou meu foco. Em vez de apenas criar currículos adequando ao que o mercado de trabalho buscou nos últimos 20 anos, posso usar tecnologia para informar quais vão ser os trabalhos necessários nos próximos cinco anos e como equipar o máximo de pessoas possível com o mínimo de recursos para eles, mudando a vida delas ou conectando-as a oportunidades.

Você foi indicada pela revista “Forbes” como uma das personalidades proeminentes no campo da inteligência artificial. Pode explicar um pouco mais sobre isso?

A tecnologia é como o guarda-chuva sob o qual tudo está, inclusive a inteligência artificial, que tenta mimetizar a inteligência humana. Tentamos recriar sistemas de computador que repliquem o que o cérebro humano faz ou criem outros sistemas. É como uma ferramenta qualquer, um martelo, ou o fogo, que podemos usar para levar os humanos a uma nova etapa. Muita gente pensa em robôs, muitos se preocupam com a automatização, especialmente a perda de postos. Mas há outro aspecto, que é a inovação: focar mais em como nós humanos podemos usar tecnologia para avançar nossos limites.

O Quênia é o principal centro tecnológico do leste da África. Como o país chegou lá?

Nosso ex-presidente defendia as áreas de tecnologia da informação e comunicação. Temos a melhor conexão de internet em todo o continente; há centros de inovação, onde são realizadas reuniões, ideias são discutidas e negócios são criados com apoio do governo. Por volta de 2012, muitas startups vieram de fora, criaram postos de trabalho, ajudando a área de tecnologia a crescer. Nosso país é central e sempre foi um lugar-chave para mercados e negócios que conectam a África com o resto do mundo. Mesmo antes de entrar no aspecto tecnológico, Nairóbi já era um ponto de conexão. Com a internet e os avanços em tecnologia, isso se fortaleceu. Mas eu não posso dizer que a inovação está espalhada por todo o país.

Como é ser uma mulher que trabalha com ciência na África?

O desafio existe. Há uma grande lacuna entre a presença de homens e mulheres nas áreas de ciência e tecnologia, mas o que eu aprecio mais é que a tecnologia está criando formas de empoderar as mulheres. Além da comunidade que eu fundei, há muitos outros grupos desenvolvendo as capacidades de mulheres para a tecnologia. Na escola em que eu dava aula, jovens garotas de famílias pobres que acabaram de concluir o ensino médio, o que seria o fim da sua vida educacional, passaram a ensinar fundamentos de programas de computadores: como fazer websites, apps, como construir robôs… O que é muito interessante e abre muitas oportunidades.

A tecnologia tem o poder de mudar a vida das mulheres?

Faço um curso agora e somos três mulheres numa classe de 30. Às vezes, eu olho e penso: qualquer mulher poderia fazer essa aula, mas elas não fazem por causa da forma como as estruturas da educação foram montadas. O que busco agora é que, no conforto do quarto ou presas no trânsito, as mulheres possam estudar os currículos que criamos. São carreiras mais flexíveis para a vida delas. Se você pensar na forma como nossa sociedade está estruturada, é mais fácil para um homem sair para trabalhar e deixar a mulher cuidando dos filhos. Mas isso não significa que ela não pode estudar ou trabalhar. A tecnologia traz essa flexibilidade.

A sociedade dificulta que a mulheres tenham um emprego fora ou os homens esperam que elas fiquem em casa?

Muitas vezes nem acho que seja o homem que espera isso dela. Mas são muitas responsabilidades então você acaba escolhendo entre cuidar da família ou ter um trabalho estressante, que nem sempre te satisfaz. Isso faz com que as mulheres larguem as carreiras.

Passou por situações de machismo?

Sim, eu passei, mas mais do que por ser uma mulher, por parecer muito jovem. Eu me acostumei em estar no lugar errado e na hora errada. Às vezes, você entra numa sala de reunião e, quando veem que é você que vai fazer a apresentação, ficam confusos com a situação. Mas o que me faz continuar é o impacto desses programas. Há lugares que ocupo hoje, aos 27 anos, e que outras mulheres poderão ocupar com 18. Acho que não pensamos o suficiente sobre o futuro, e ele pode ser o que a gente quiser, o que decidirmos, então é excitante estar aqui para discutir isso.

+ sobre o tema

Sobre cabelos, relacionamentos e outras coisas!

Após uma atividade na minha universidade em celebração ao...

Mãe preta pode ser? Mulheres negras e maternidade

Débora Silva Maria, do Movimento Mães de Maio, há...

Quem vestiu a Globeleza?

Enviado para o Portal Geledés Engana-se os que acham que...

para lembrar

Mortalidade materna de mulheres negras é o dobro da de brancas, mostra estudo da Saúde

Assim como outros indicadores de saúde, a mortalidade materna é...

Presidenta Dilma Rousseff recebe lideranças do Movimento Negro

Educação, saúde, democratização da comunicação e enfrentamento à violência...

Ilê Aiyê promove a Semana da Mãe Preta em homenagem à mulher negra

A Associação Cultural Ilê Aiyê promove a partir da...
spot_imgspot_img

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=