O impacto da guerra às drogas na vida das mulheres negras

Enviado por / FontePor Anielle Franco, de ECOA

A chamada guerra às drogas, que, na verdade, é uma guerra contra pessoas e territórios, impacta as mulheres negras e periféricas de diversas formas. Tais como a dificuldade, ou negação, do acesso ao uso terapêutico da cannabis para o tratamento de diversas doenças, e, principalmente, o superencarceramento e genocídio da juventude negra e pobre.

Já não é mais novidade o comprovado sucesso do uso terapêutico da maconha para tratamento de doenças como epilepsia, autismo, depressão, ansiedade, Parkinson, esclerose e microcefalia, cujos tratamentos convencionais são, muitas vezes, demasiadamente caros e agressivos. O uso terapêutico da planta vem salvando vidas e garantindo a dignidade a inúmeras famílias no Brasil. E, em muitos lugares do nosso país, são as mulheres que estão na linha de frente da luta pelo acesso à maconha enquanto ferramenta terapêutica, rompendo o preconceito e buscando garantir a saúde de seus filhos.

Ao falar sobre guerra às drogas e sua relação com a população negra, é importante lembrarmos que a maconha é uma planta associada historicamente aos povos negros, e foi também em razão disso que foi proibida. Então, quando se fala sobre uso da maconha, não se pode esquecer que estamos falando de conhecimentos ancestrais, de aspectos culturais de um povo que foram criminalizados. Não à toa, temos o cenário de superencarceramento e genocídio da população negra, não só no Brasil, mas também em outros países do mundo.

Nesse sentido, o aumento da população feminina encarcerada no período de 2000 a 2014 foi de quase 600%, crescimento este que está diretamente ligado à questão da “guerra às drogas”, já que a maioria (62%) perdeu sua liberdade por conta de crimes previstos na Lei de Drogas (Lei 11.343/06).

É importante observar também que essas mulheres são majoritariamente pobres, negras, mães, jovens, chefes de família, com pouca ou nenhuma escolaridade, em situação de vulnerabilidade social e de dificuldade de acesso à justiça.

Mesmo quando se trata do encarceramento masculino, as mulheres também são impactadas, pois são elas, ao invés do Estado, que realizam o trabalho de manutenção dos cuidados desses homens privados de liberdade, visitando-os, levando roupas, alimentos e itens de higiene, por exemplo.

O homem negro é o principal alvo não só do encarceramento, como também da política de morte conduzida pelo Estado. A Chacina do Jacarezinho, da qual já tratei aqui em maio de 2021, foi a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro desde a redemocratização, resultando em 29 mortos. O massacre representou uma grave ofensa à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que determinou a suspensão de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia, concedida graças à ADPF das Favelas. Considerar corpos negros como suspeitos e tê-los como alvos certos das “balas perdidas” faz parte de um projeto de morte de Estado, que é responsável pela produção de medo, terror, violência e pelo constante derramamento de sangue do povo negro.

Por trás da farsa dessa “guerra às drogas”, temos mulheres, principalmente mães, que coletivamente transformam a dor da perda de seus filhos em acolhimento e luta por justiça como Mães de Manguinhos (RJ), Centro Mário de Andrade (PE), Mães Unidas pela Dor (RJ), Mães da Saudade (PE), Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense (RJ), e Mães de Curió (CE). Assim, nós mulheres negras seguimos em luta construindo estratégias de sobrevivência e movendo estruturas pelo fim do encarceramento do nosso povo, do machismo e do racismo!

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