O IPEA e a análise da violência

Por Jorge Nogueira Rebolla

 

Para quem não sabe o governo brasileiro conta com um órgão que tem por objetivo:”Produzir, articular e disseminar conhecimento para aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro”.

Essa missão cabe ao IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado à SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Tanto o instituto quanto a secretaria estão no momento sob a direção do ministro Marcelo Neri. Dentre os conhecimentos disseminados neste mês de outubro vou comentar um chamado de BAPI – Boletim de Análise Política Institucional, que analisa na seção Reflexões sobre o desenvolvimento a segurança pública e o racismo institucional. Isto mesmo: racismo institucional!Para quem não sabe o que é isto eles trazem a definição: Racismo institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa da sua cor. Ficamos sabendo também que foi utilizado pela primeira vez por Stokely Carmichael e Charles Hamilton, ambos americanos e membros dos Panteras Negras. Nomarxist.org tem umas informações edulcoradas, mas esclarecedoras sobre o grupo. A regra 8 é muito interessante para quem se diz vítima de racismo: No party member will commit any crimes against other party members or black people at all, and cannot steal or take from the people, not even a needle or a piece of thread.
Por ser um texto longo sou obrigado a ir ao ponto que considero mais relevante:

“A sedimentação do mito que associa juventude negra e criminalidade multiplica consequências desastrosas no cotidiano das práticas policiais. Um dos componentes mais claros do racismo institucionaldas polícias é naturalizar a relação entre pobreza e criminalidade, tomando incoerentemente a corda pele como seu indicador visível. O resultado mais contundente deste tipo de atitude é que a taxade homicídios de jovens negros no Brasil, com a qual as próprias polícias contribuem de formasignificativa, é bem superior às taxas de mortes de jovens de países em guerra.

É como se o jovem negro sintetizasse o drama de uma sociedade incapaz de solucionar suas contradições. A figura do jovem negro condensa o aspecto alegre e sincrético da cultura brasileira, expressa no samba e na malandragem, entre outras manifestações, que nos afastam do europeu colonizador. Ao mesmo tempo, simboliza um fator de desordem, execrável do ponto de vista de um Estado autoritário, historicamente voltado para o controle e domesticação das “classes perigosas”, como se fossem uma espécie de inimigo interno.”

Antes de mostrar alguns números gostaria de saber o porquê dos autores incluírem o estereótipo do aspecto alegre e sincrético expresso no samba e na malandragem neste assunto? Até porque isto já está vencido, poderiam ao menos substituirem o samba pelo funk, rap, reggae ou hip hop dependendo da região do Brasil. Gêneros musicais que elevam as virtudes humanas, promovem a paz e o respeito pelas mulheres… nos afastando dos males do europeu colonizador.

Periodicamente são divulgados os Mapas da Violência que trazem dados sobre os homicídios cometidos no Brasil. As análises seguem o viés do IPEA, mas pelo menos as publicações possuem os números. Vamos ver o que ocorreu com os jovens no período compreendido entre o último ano do governo Fernando Henrique Cardoso e o final do governo Lula. Em 2002 foram assassinados 16.083 jovens negros, em 2010 foram mortos 19.840, um aumento de 23,3% ou mais 3.757 homicídios anuais. Neste mesmo intervalo de tempo os números em relação aos brancos da mesma faixa etária foram reduzidos de 9.701 para 6.503, isto representa menos 33% ou 3.198 vidas poupadas. A razão entre os grupos praticamente dobrou, passando de 1,6 para 3,0. Será que aumentou o racismo do brasileiro durante o governo petista?

Não, o racismo não aumentou. O que cresceu foi a insegurança na maioria do país, enquanto nos dois principais estados as polícias melhoravam as suas atuações com uma forte queda na quantidade dos homicídios. Neste  período São Paulo e Rio de Janeiro reduziram as taxas por 100.000 habitantes na população negra. Elas caíram respectivamente de 56,0 para 16,1 e de 86,7 para 41,0, o que evitou mais de 5.000 vítimas anuais neste grupo de pessoas. Apenas isto impediu que este quadro se tornasse ainda mais tenebroso. 

Em contrapartida, nestes 8 anos, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará,  Maranhão, Pará, Paraíba e Rio Grande do Norte viram as taxas aumentaram mais de 100%, chegando na Bahia a quase 300%. O número de homicídios cometidos contra negros saltou de 5.222 para 15.959 por ano. O racismo explica isto? Também não. Nestas oito unidades da federação as populações são majoritariamente negras, pelo conceito racialista que agrupa pretos e pardos, e foi abandonada à própria sorte pela inoperância administrativa do poder público. Embora a segurança pública seja de responsabilidade dos governos estaduais o governo federal em nenhum momento investiu ou mesmo se mobilizou para que estas vidas não fossem perdidas. Mesmo vendo os números crescerem vertiginosamente a cada ano o quadro não foi corretamente diagnosticado e muito menos priorizado. 

Então se existe o racismo institucional no Brasil o seu grande impacto manifestou-se durante o governo Lula? Retornando a razão entre os números de homicídios de brancos e negros na população geral, entre 2002 e 2010, a situação foi esta: passou de 1,42 para 2,49. Porém não existe a possibilidade da deterioração do quadro ter ocorrido por motivos raciais. Ninguém debita isto ao PT. Pelo menos do crime de racismo contra os negros ele está inocente. Porém não da desídia no desempenho das suas funções. Embora a resposabilidade primária caiba aos estados, deveria a União agir nos casos de desastres como estes. Principalmente provendo meios para que as regiões mais pobres garantissem a segurança dos seus habitantes, todos eles cidadãos que deveriam gozar do direito constitucional à segurança pessoal.

Retornando ao IPEA e ao seu BAPI. O gráfico foi retirado da própria apresentação do boletim:

 

Homicídios por idade 

Como vimos acima as mortes por homicídios em São Paulo e no Rio de Janeiro reduziram-se na década, comparando o ano de 2002 com o de 2010, os números absolutos na soma de ambos os estados foram 4.742 brancos e 5.183 negros, totalizando menos 9.925 vítimas de assassinatos em todas as idades. Este número simplesmente não reflete no gráfico. O ganho ocorrido aqui foi perdido pela inoperância em outros estados. Apesar destes números explosivos, em tão curto período de tempo, demonstrando a rápida deterioração da defesa da vida humana o que sugere para as ações públicas de fundo o produtor, articulador e disseminador de conhecimentos para aperfeiçoar as políticas públicas, também conhecido como IPEA:

“O combate à violência contra a população negra, principalmente os jovens, requer políticas públicas que reforcem a posição do Estado brasileiro como provedor de direitos, atuando como garantidor da igualdade de oportunidades e corrigindo distorções sociais historicamente produzidas pelas ideologias e práticas racistas no país. Evidentemente que, tomadas de forma isolada, apenas açõesna área da justiça criminal não são capazes de diluir a desigualdade racial. Contudo, se ampliadas, podem vir a atenuá-la, diminuindo os obstáculos para o desenvolvimento pleno das capacidades de um contingente considerável da população.”

Pesquisadores e analistas do IPEA e da SAE: nunca morreram tantos negros assassinados no Brasil, tanto em termos absolutos quanto relativos. Esta pandemia se manifestou há dez anos e não desde o passado remoto.

O que está ocorrendo nas regiões Norte e Nordeste não possui parâmetro anterior para comparação. Não há como justificar com distorções sociais historicamente produzidas pelas ideologias e práticas racistas o crescimento exponencial, 205% em menos de uma década, como o ocorrido nos oito estados citados anteriormente neste texto. O que estamos vendo é a falência pura e simples da estrutura legal, policial e judicial para enfrentar a violência.

Apesar dos efeitos nefastos das avaliações errôneas, da falta da elaboração e da implantação das políticas necessárias para a mitigação deste quadro assustador as autoridades federais, repetindo os erros do governo Lula, insistem que a solução será alcançada pela segurança sociológica e não pela segurança pública. Quantos brasileiros mais devem morrer para que sejam tomadas medidas adequadas e não idealizadas para enfrentar este problema?

Os números dos homicídios por cor, faixas etárias e estados foram retirados do Mapa da Violência 2012 – A cor dos homicídios no Brasil.

 

 

Do Vermelhos Não

O IPEA e a análise da violência

 

 

Fonte: Jornal GGN

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