O lugar da mulher negra no cinema é destaque em evento que reúne 20 filmes na UnB

Mostra Adélia Sampaio, em homenagem à primeira diretora negra do Brasil, vai de 26 a 30 de novembro com entrada gratuita. Veja programação.

Por  Luiza Garonce Do G1

Foto: Mostra Adélia Sampaio/Divulgação

O lugar da mulher negra no cinema é o tema da 2ª Mostra Adélia Sampaio, que começa nesta segunda-feira (26) e vai até sexta (30), na Universidade de Brasília (UnB). Serão exibidos 20 filmes independentes, todos produzidos por diretoras negras. A entrada é gratuita.

Idealizado pela cineasta e professora da faculdade de audiovisual Edileuza Penha, o evento joga luz sobre a presença feminina e negra na produção cinematográfica brasileira, atrás e à frente das câmeras. A mostra recebeu 86 inscrições de todo o Brasil.

“É uma mostra que traz diferentes olhares do fazer cinematográfico negro, afirma Edileuza.”

Cena do filme baiano “Em busca de Lélia”, de Beatriz Vieirah — Foto: Heloisa França/Divulgação

Na abertura , às 19h desta segunda-feira, será exibido o filme “Café com canela”, de Glenda Nicácio. O longa foi premiado três vezes no 50° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2017. Antes da sessão, às 18h, a diretora participará de uma mesa redonda.

Os filmes em cartaz abordam diferentes aspectos da negritude, como o cotidiano das mulheres negras, as particularidades da vivência feminina, a identidade e ancestralidade negras (veja programação abaixo).

Também serão exibidas produções de jovens cineastas – muitas delas universitárias – e de diretoras premiadas, como Danddara e Camila de Moraes.

Conceição Evaristo, entrevista no filme carioca “Tia Ciata”, de Mariana Campos e Raquel Beatriz — Foto: Mostra Adélia Sampaio/Divulgação 

Além do DF, os filmes vêm de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Amazonas e Espírito Santo. O evento oferece, ainda, a Feira Preta e mesas redondas.

Edileuza Penha, que trabalha com “Etnologia visual da imagem do negro no cinema” desde 2009 na UnB, diz que a produção de filmes por negros e negras , assim como a disciplina, ainda estão “no apagamento”. Desde a criação, a matéria faz parte do decanato de extensão e não da grade obrigatória do curso.

Edileuza Penha, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora de cinema negro desde 2006 — Foto: G1 Cultural/Reprodução 

Racismo e reação

A cineasta e professora afirma que, embora a realização de filmes por mulheres negras seja crescente, as produções ainda ficam reclusas a um “circuito alternativo”, onde a predominância é de curtas-metragens.

Segundo Edileuza, a principal explicação para isso ainda é a mais óbvia: o racismo. “É uma questão estruturante”, afirma.

Adélia Sampaio no set de gravação de um dos filmes. — Foto: Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal 

“Se a gente pega como exemplo a Adélia Sampio, que foi a primeira cineasta negra do Brasil e que produziu, em 1981, o primeiro filme lésbico da América Latina e analisamos o apagamento dessa mulher na história, não há outra explicação que não seja o racismo.”

Cena do filme pernambucano “Entremarés”, de Anna Andrade — Foto: Mostra Adélia Sampaio/Divulgação 

Outro exemplo de Edileuza para elucidar o contexto de exclusão e apagamento pelo preconceito racial é a diretora Danddara, que produz filmes desde a década de 1990 – alguns deles exibidos em festivais internacionais. “Mas aqui, no Brasil, não tem o mesmo reconhecimento.”

Cena do filme “Braços vazios” (ES), de Daiana Rocha — Foto: Mostra Adélia Sampaio/Divulgação 

Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que, dos 142 filmes brasileiros que estrearam em 2016, apenas 28 foram dirigidos por mulheres. Nenhum deles foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra.

O hiato de 35 anos entre o filme “Amor maldito”, lançado em 1983 por Adélia Sampaio, e o segundo longa-metragem brasileiro dirigido sozinho por uma mulher negra, “O dia de Jerusa”, produzido em 2018 por Viviane Ferreira, é mais um reflexo deste cenário.

Em entrevista ao G1 Cultural em maio, Viviane falou sobre a importância das políticas públicas afirmativas, como forma de viabilizar produções que não costumam ser contempladas no circuito tradicional de cinema.

“O filme só está sendo possível, porque é um recurso de ações afirmativas. Se não fosse um edital específico para diretores e diretoras negras, não teria sido possível.”

Viviane Ferreira, segunda mulher negra a dirigir um longa-metragem de ficção sozinha no Brasil, é autora do filme ‘O dia de Jerusa’ — Foto: G1 Cultural/Reprodução 

A invisibilidade e a falta de representatividade das narrativas negras e femininas vêm sendo substituídas pela insistência de mulheres que, mesmo sem qualquer apoio financeiro, unem esforços para levar às telas de cinema novos olhares.

De acordo com os organizadores, “a luta de mulheres como Adélia, Edileuza, Viviane, Danddara, Camila e tantas outras é por narrativas que contemplem a realidade e a vivência da população negra, em especial das mulheres. Romper esteriótipos e preconceitos, assumir funções e papeis de protagonismo nas histórias e construir novas formas de fazer cinema”.

Programação

Programação da 2ª Mostra Adélia Sampaio de cinema, na Universidade de Brasília (UnB) — Foto: Mostra Adélia Sampaio/Divulgação 

Serviço

2ª Mostra Adélia Sampaio
Data: 26 a 30 de novembro
Hora: varia conforme a programação (veja acima)
Local: Anfiteatros 9 e 10, e Faculdade de Comunicação – Instututo Central de Ciências Sul (ICC Sul)
Entrada gratuita

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