O lugar das novas pautas políticas

Na semana passada, ocorreu o seminário O papel da sociedade civil nas novas pautas políticas, organizado pela Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais). Nele esteve presente o ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência da República, responsável pela relação política do governo com a sociedade civil. Ele definiu a posição governamental, segundo a qual o governo atual é produto do processo de luta da sociedade e de seus movimentos sociais, intelectuais, etc. Luta dos que, explicou, depositaram suas expectativas e demandas na alternativa de poder que ora governa.

Por Sueli Carneiro

Em tal sentido, as forças sociais mencionadas seriam co-autoras desse projeto e, conseqüentemente, co-responsáveis pelo seu destino. Tudo entendido como direito e dever, resguardadas a independência e autonomia que asseguram a identidade política da sociedade civil. O PT, segundo o ministro, tenta criar nova forma contemporânea de democracia, novo método com base na luta reinvindicatória. Por isso, acrescenta ele, torna-se necessário que a sociedade civil exija espaços – lute para que políticas públicas reflitam seus interesses.

No entanto, a consciência de co-responsabilidade da sociedade civil não encontra exata correspondência nas respostas governamentais, sobretudo em termos de políticas públicas e em relação às pautas historicamente defendidas e compartilhadas pela sociedade civil. O mesmo ocorre no tocante à luta dos movimentos negros pelo reconhecimento das desigualdades raciais na esfera governamental.

Veja-se o que afirmou o senador Paulo Paim em pronunciamento de 31/8: ‘‘Devemos assegurar para a meta de superação das desigualdades raciais o status de eixo estruturante, de princípio estruturador de uma política global de desenvolvimento, que tenha como meta prioritária a inclusão… A reprodução da exclusão no Brasil está intimamente associada à manutenção das barreiras raciais e à marginalização da população negra. A discriminação racial é fator determinante das desigualdades sociais no Brasil. Trata-se, portanto, de elemento chave, se o objetivo prioritário é reverter condições mais extremas de pobreza.

{xtypo_quote}Estudos realizados recentemente pelo Ipea amparam essas afirmações. Segundo o Ipea, a discriminação racial é responsável por parte significativa das desigualdades observadas entre negros e brancos, no mercado de trabalho, no campo educacional e em muitos outros (…) Devemos procurar descrever minuciosamente as ações e projetos para os quatro anos de vigência do plano. A inclusão da temática racial entre os grandes objetivos do plano plurianual é uma vitória, mas se não formos capazes de definir ações deliberadas e sistemáticas, investimentos necessários e fontes de custeio estaremos muito longe de obtermos os resultados esperados… E para isso devemos assegurar, já no PPA, não só a orientação estratégica, mas a definição de programas prioritários em todos os ministérios.{/xtypo_quote}

No entanto, há um modo de operar e um modo pensante que conspiram contra o reconhecimento dessa perspectiva nas políticas sociais. Esses modos operante e pensante determinam que haja no enfoque de desenvolvimento, de concertação e de construção nova hegemonia. Tudo a partir de uma perspectiva em que prevaleça a percepção de que os agentes de transformação são fundamentalmente as representações do capital e do trabalho. Em conseqüência, deve-se favorecer a concepção tradicional de esquerda, em que a contradição de classes persiste como fator determinante do fenômeno da exclusão – subestimando o peso da raça nas desigualdades sociais em nosso país.

Usando expressão de Betânia Ávila, feminista do SOS Corpo, esses modos pensante e operante reafirmam a hierarquia dos sujeitos políticos capazes de elaborar a pauta nacional. As pautas políticas são construídas desigualmente na esfera pública; os espaços públicos de concertação, ao promoverem uma suposta igualdade entre os sujeitos políticos, mantêm as hierarquias que os recortam e determinam os limites de suas pautas na agenda nacional.

Disso decorre que, nos fóruns nacionais de diálogo entre governo e sociedade, as negociações de novo pacto social não incluem a necessidade de novo pacto racial. Esse é o sentido da segunda abolição defendida por um dos membros do governo. Como na primeira, resume-se a um acerto de interesses dos racialmente hegemônicos e definição por eles mesmos dos destinos dos racialmente subalternizados.

+ sobre o tema

Chica da Silva tem história revista para além de sua sensualidade

Ex-escrava eternizada em filme e novela agora é retratada...

Racismo e sexismo na mídia: uma questão ainda em pauta

Racismo e sexismo na mídia: uma questão ainda em...

Mariene Castro: ‘Achamos que tá todo mundo consciente, mas ainda estamos longe’

Após desabafo no Instagram, atriz conversou com o CORREIO...

para lembrar

Descendentes de rainhas: uma marca para as negras

Luana, 22 anos, filha de pai angolano e mãe...

Sian Proctor é a primeira mulher negra a pilotar uma nave espacial

"Três astronautas negras chegaram ao espaço, e saber que...

Talvez você esteja ao lado de Bolsonaro e nem perceba

Em discurso no plenário da Câmara, nesta terça (9),...

Estudantes baianas recebem menção honrosa na maior feira de ciências do mundo

As estudantes Beatriz de Santana Pereira e Thayná dos Santos...
spot_imgspot_img

Prêmio Faz Diferença 2024: Sueli Carneiro vence na categoria Diversidade

Uma das maiores intelectuais da História do país, a escritora, filósofa e doutora em educação Sueli Carneiro é a vencedora na categoria Diversidade do...

Feira em Porto Alegre (RS) valoriza trabalho de mulheres negras na Economia Popular Solidária

A Praça XV de Novembro, no centro de Porto Alegre (RS), será palco de uma importante mobilização entre os dias 7 e 9 de...

Exposição de Laudelina de Campos recupera o trabalho doméstico na arte brasileira

Nomeada heroína da pátria em 2023, Laudelina de Campos Mello foi uma das mais importantes militantes pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil. Nascida em Poços de...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.