Ailton Krenak é um segundo sol vivo que ilumina a cultura indígena, e que ainda resiste contra a racionalidade do ocidente (Compreendendo a força da consciência coletiva produzida pelo poder da linguística, neste artigo opto pela força da consciência descolonizada, portanto, a ausência da letra maiúscula neste substantivo próprio não reconhece o poder simbólico da arma cultural dominante) em matar, roubar e destruir. Krenak nasceu em 1953, na área verde do vale do rio Doce, mas a vida dos seres vivos e da vegetação do local vem sendo mortos pelas mãos do homem branKKKo (Branco com três K refere-se a Klu Klux Klan, organização da supremacia branca. Assata Shakur, ex membra do Partido Pantera Negra, apresentou AmeriKKKa com três k. A partir daí estendemos para outras palavras). Ativista dos direitos dos povos originários, luta pela existência do planeta Terra, ainda que os branKKKos não queiram imaginar o fim do capitalismo, e optam em imaginar o fim do mundo ao construírem casas subterrâneas que custam mais de 4 milhões.
Krenak conta que alfabetizou-se aos 18 anos. É jornalista, produtor gráfico e líder indígena. Em 1985, fundou a ONG Núcleo de Cultura Indígena (NCI). Organizou a Aliança dos Povos da Floresta, para defender a floresta e a população nativa das comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia. Contribuiu também para a criação da União das Nações Indígenas (UNI). Sua luta com outros indígenas pressionou o Estado na criação do “Capítulo dos Índios” na Constituição de 1988, porém homens de terno efetivaram somente no papel com o intuito de apaziguar a luta dos indígenas. Em 1987, durante a Assembléia Constituinte, Krenak pintou seu rosto de preto com pasta de jenipapo como protesto enquanto discursava no Congresso Nacional, expressou no seu gesto cultural o grito silenciado dos indígenas e do planeta Terra pelo retrocesso dos direitos indígenas.
Os indígenas vêm lutando pelo não aniquilamento do seu povo há séculos, desde o encontro do olhar dos indígenas em 1500 com o olhar da tara do sistema econômico dos branKKKos. Os indígenas e os africanos são exemplos de como respeitar a nós mesmos, pois ao respeitar a si, respeitamos o outro e o oxigênio do planeta. Os africanos originaram a civilização e a ciência ao mundo, e pisaram na América antes dos branKKKos deixando a arte olmeca como rastro de suas presenças respeitosas aos habitantes e a natureza. Os africanos e seus descendentes vêm também lutando contra o processo genocida da maafa (NOBLES, 2009), ou seja, os africanos e seus descendentes sofrem com o processo da maafa (Maafa é um conceito afrocêntrico cunhado pela antropóloga Marimba Ani (1994) que significa o grande desastre, o holocausto africano. No entanto, utilizamos o significado dado pelo professor Wade Nobles (2009). Como um grande descarrilhamento do seu eixo civilizatório; e, inimaginavelmente, eles sofreram um acidente e o trem saiu do trilho, saiu da África, mas continuou o desastre em movimento e muitos acordaram na AmériKKKa sendo rotulados como “negros”). A Covid- 19 foi usada pelo governo do Bolsonaro para intensificar a maafa.
Krenak logo no ínicio do livro nos provoca com a reflexão que os indígenas se isolam e lutam pela sobrevivência há séculos, e pergunta se nós, urbanos, confinados em apartamentos iremos repensar o que tem sido normalidade. Enquanto assistimos abismados no sofá da sala o Pantanal ser devastado pelo fogo ordenados por fazendeiros e animais vivos serem perseguidos pela chama que os encurrala para a morte, os indígenas estão em luto pelos peixes, pelos rios, pelos animais, pela terra há séculos. O direito humano à terra e ao alimento que outrora abundava sob seus pés, agora, segundo Krenak, é comercializado pela invenção do homem branKKKo: a economia.
A Covid- 19 nos provou que não somos o centro do universo. Krenak orienta que devemos abandonar o antropocentrismo, ou seja, essa ideia narcisista criada pela Europa que resultou na naturalização da exploração do homem pelo homem, na naturalização da destruição de rios, animais e florestas em nome da economia. Krenak nos lembra que “não somos o sal da terra” (KRENAK, 2020, n.p), ou seja, não fazemos falta ao planeta Terra. Quando a economia nos diz o tempo todo “que o navio é mais importante que a tripulação” (KRENAK, 2020, n.p), a humanidade ocidentalizada faliu, entrou em colapso. Mas o caminho suleador dos indígenas e dos africanos nos permitirá um novo contrato racial.
Krenak denuncia a mentalidade monstruosa do Bolsonaro, e diz que somos piores que a Covid- 19. Notamos esperança na fala do Krenak quando ele arrisca a dizer que a Covid- 19 é “um anzol nos puxando para a consciência. Um tranco para olharmos para o que realmente importa” (KRENAK, 2020, n.p). Porém, o que avistamos é tanques de guerra sendo produzidos no mundo inteiro para estraçalhar o corpo do inimigo de outra nacionalidade. Logo, quando vemos esse mesmo tanque mirando corpos negros o aviso que recebemos é que não somos brasileiros porque nós somos africanos renascidos no Brasil. Os colonizadores contemporâneos sabem disso; nós, que somos negros, não sabemos (MORAES, 2018). A esperança do despertar se dissipa, tanques de guerra miram corpos pretos nas periferias, e ainda em meio a esses tanques lutam contra a fome, contra a Covid- 19 e contra a política bolsonarista implementada nos hospitais: a falta de respiradores, ou assistimos o Bolsonaro vetar trechos da Lei 1142/2020 para impedir que o governo seja obrigado a fornecer “acesso a água potável”, “distribuição de cestas básicas” e “distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias”.
Mas, para não morrermos de fome, continuamos como o presidente Bolsonaro e empresários nos impuseram, e morreram mais de 120 mil na matemática planejada do Bolsonaro. Krenak aprecia o melão-de-são-caetano e diz que continua “ a crescer aqui do lado de casa, a natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial” (KRENAK, 2020, n.p). Nós somos vítimas da lógica do neoliberalismo que caracteriza-se “pela produção da indiferença, a codificação paranóica da vida social em normas, categorias e números” (MBEMBE, 2014, p. 13). Mas a Covid vai passar e continuaremos achando que conversar com árvores, abraçar árvores, conversar com rio é alienação. Krenak diz que é “experiência de vida. Se é alienação, sou alienado” (KRENAK, 2020, n.p).
Krenak cita Michel Foucault, e critica as raízes do capitalismo que expropriaram de nós o dom da existência que não é descolado dos usufrutos da natureza a todos. Afirma que com o “avanço do capitalismo… quando o indivíduo para de produzir, passa a ser uma despesa” (KRENAK, 2020, n.p). Portanto, a este respeito Krenak diz que, a morte de mais de 120 mil pessoas foi desejado, e que o “ E, daí?” do Bolsonaro “não é ato falho… a pessoa não é doida, é lúcida, sabe o que está falando” (KRENAK, 2020, n.p). Krenak nos alerta que devemos parar de vender o amanhã, e se voltarmos à normalidade como vivíamos “aí, sim, teremos provado que a humanidade é uma mentira” (KRENAK, 2020, n.p).
Krenak escreveu para nós logo no início da pandemia, ele e nós estamos presenciando que a normalidade voltou antes mesmo do fim da pandemia, portanto, a humanidade que experimentamos é uma mentira. Entretanto, é indubitável que a Covid-19 estremeceu o sistema capitalista, no mínimo a perturbou. A Covid-19 impôs ao Estado máximo para o capitalismo a necessidade de uma pauta “socialista”: a renda básica. Nos foi imposto a normalidade, mas só saberemos se aceitamos a normalidade nas eleições de 2022.
Enquanto isso, os únicos comunistas no Brasil são os povos indígenas (MUNDURUKU, 2020).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIACOMO, F. Daniel Munduruku: “Únicos comunistas no Brasil chamam-se povos indígenas”. Portal Geledés, São Paulo, 20 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/
KRENAK, A. O amanhã não está à venda. Companhia das Letras. São Paulo, 2020.
MBEMBE, A. A crítica da razão negra. Ed. Antígona, Portugal, 2014
MORAES, V. M. 1 Vídeo (1 hora e 13 minutos) Formação Afrocêntrico- Pedagógica sobre África e Diáspora. Publicado pelo canal ASFUNRIO AULA, 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8TVOMHKy3oU>. Acesso em: 10 de fev. 2019.
OLIVEIRA, J. Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia. El País, São Paulo, 8 de julho de 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-08/bolsonaro-veta-obrigacao-do-governo-de-garantir-acesso-a-agua-potavel-e-leitos-a-indigenas-na-pandemia.html>. Acesso em: 10 de ago. de 2020.