O papel da escola para promover equidade

Mistura de opiniões e teorias pode reforçar desigualdades

Encontrar consenso sobre qual é o papel da escola parece ser um desafio difícil de superar, ainda mais em um mundo tão politicamente polarizado. A prioridade deve ser ensinar português, matemática e ciências? Qual deve ser o tamanho de história, sociologia e filosofia no currículo escolar? Competências do século 21 ou educação sexual? Cada um tem uma opinião. Mas nem só de opinião vive a educação de um país.

Apesar das divergências de ideias sobre o que deve ocorrer dentro da escola, alguns marcos legais já estão bem estabelecidos. A Constituição, por exemplo, estabelece no artigo 205 que a educação, como direito de todos, visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No artigo seguinte, é definido como princípio para o ensino a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Nossa Constituição faz a educação escolar soar justa e equitativa. Na prática, ainda estamos longe desse ideal.

Os múltiplos modelos de ensino, construídos por meio da interação de diferentes opiniões, teorias e evidências, têm o poder de reforçar desigualdades em diferentes aspectos. Não que tudo vá mal na educação brasileira. Desde a redemocratização, em 1985, avançamos de maneira inegável na universalização do acesso à educação básica. Crianças de famílias que historicamente nunca tiveram oportunidade de frequentar a escola passaram a estudar. Por meio de políticas inclusivas e ações afirmativas, o acesso ao ensino superior também foi mais democratizado.

Ainda assim, desigualdades educacionais persistem. Apenas colocar as pessoas na escola não basta para garantir que todas as crianças terão igualdade de condições de permanência e de vivenciar uma educação de qualidade. Pelo contrário. Sem assegurar recursos físicos, financeiros e humanos, há grande potencial de ressaltar desigualdades.

Os resultados educacionais ainda são muito determinados pelo tipo e localidade da escola e por características dos alunos, como nível socioeconômico e cor ou raça. Um tipo de desigualdade independe do outro, mas se reforçam mutuamente.

Estudantes pobres frequentam escolas menos estruturadas e, consequentemente, alcançam piores resultados, independentemente de sua raça. Estudantes negros, mesmo quando possuem condições socioeconômicas semelhantes às de seus pares brancos, sofrem discriminação e vieses raciais até dentro das escolas e por professores.

Tratamentos diferenciados atuam como barreiras adicionais que afetam negativamente estudantes negros. Algumas pessoas podem até ter opinião contrária, mas as evidências científicas já identificam como a discriminação racial afeta o desenvolvimento cognitivo, psicológico e social dos jovens.

Superar esses desafios exige uma abordagem multifacetada que combine políticas educacionais eficazes e esforços sociais coordenados. É crucial combater as raízes históricas das desigualdades e promover ações afirmativas que garantam equidade no acesso e permanência educacional. A escola pode e deve contribuir nesse processo, mas vem sendo difícil traçar esse caminho. Sem um consenso mínimo, o caminho para uma educação mais justa e inclusiva continuará repleto de obstáculos.


Priscilla Bacalhau – Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

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