Em escolas que não podem mais discutir questões de gênero, meninas relatam episódios de agressão psicológica e física – e até assédio de educadores
Brenda Neves, 16 anos, aluna da rede pública do Distrito Federal, lembra-se bem de como foi tratada por um professor de educação física ao assistir a um jogo de basquete entre os meninos da mesma idade que ela.
“Ele saiu da quadra e veio me dizer que eu não poderia ficar lá como eu estava vestida, de shorts, pois eu estaria desconcentrando meus colegas”, conta.
Mesmo quando tentam reagir, a maioria das meninas acaba sufocada. Marina*, 11 anos, levou uma chamada quando entrou na sala de aula para tirar satisfação com um menino que havia passado, sem consentimento, a mão na bunda de uma amiga dela. “A professora não quis saber por que eu estava revoltada, simplesmente me mandou para fora e disse que eu não podia interromper a aula dela”, relata. “Pelo menos, ele ficou envergonhado”, conforma-se.
O silêncio dos professores é um dos motores da opressão à qual as meninas – e os estudantes LGBT, em geral – são submetidos. E as iniciativas de parlamentares conservadores para impedir que estes temas sejam debatidos em sala de aula só faz piorar o quadro, alimentando um clima de medo de intervir.
“A maior parte (dos professores) fecha os olhos para tudo. Ninguém quer perder tempo de aula para discutir essas coisas”, afirma a professora Miriam Pretto, 54 anos, que dá aula de história em uma escola pública de Porto Alegre. A falta de formação e de habilidade para tratar de assuntos considerados espinhosos, diz Miriam, contribuem para o problema, fazendo com que apenas casos graves tenham consequência.
E, muitas vezes, nem esses. No DF, a aluna Ana Paula*, 18 anos, fez uma queixa formal à regional de ensino sobre os assédios praticados por um professor. Segundo o relato da jovem, o docente fazia constantes piadas machistas e homofóbicas e teria dito à Ana Paula que ela “precisava de um homem” para colocá-la “na linha”. A adolescente, que prefere ficar anônima para não sofrer retaliação, reclamou da condução do caso.
“Na regional, eu e minha mãe fomos tratadas com descaso, como se a nossa queixa fosse irrelevante. A ouvidora nos disse que não poderia fazer nada e, até hoje, não tivemos uma resposta oficial da escola”, lamenta.
Gestores são coniventes
A diretora de Educação do Campo e Eixos Transversais da Secretaria de Educação do DF, Renata Parreira, admite que o problema é estrutural. “Infelizmente, esse tipo de coisa acontece, e, em muitos casos, há a conivência da direção da escola”, comenta. No DF, 49% das unidades trabalham questões relativas à gênero e sexualidade, segundo revela um levantamento feito pela secretaria, cujos dados consolidados devem ser divulgados neste semestre. Imagine se o número fosse menor!
Renata explica que o órgão fornece periodicamente cursos de formação sobre gênero e diversidade, entretanto, as aulas acabam sendo frequentadas por profissionais que, naturalmente, já têm mais consciência sobre a importância desses assuntos.
“Às vezes, falta ao professor conhecer, até mesmo, as normativas mais básicas”, acrescenta Simone Soares, também da equipe de Renata.
“É nossa preocupação saber como fazer para que o recado chegue aos ouvidos de quem realmente precisa.”
Nessa batalha, uma das tarefas mais difíceis é questionar os discursos dominantes, que costumam trazer padrões de gênero profundamente arraigados. Um exemplo disso é o famoso dito “meninas amadurecem mais cedo” – ideia que, na verdade, acaba “justificando” violências como o casamento infantil e a gravidez precoce.
“No fim das contas, essas coisas retiram das meninas o direito à infância ou o direito de estarem na adolescência sem serem vistas de forma inadequada (sexualizada)”, comenta Anna Cunha, oficial de Programas do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa, na sigla em inglês).