O que nós temos a receber da política?

2020 é o ano da Pandemia da Covid-19, que impactou o mundo como não tínhamos notícias neste século. 2020 também é ano eleitoral no Brasil, em que  iremos eleger prefeitos e vereadores para nossos municípios. Como vamos determinar as pessoas que vão guiar nossas cidades nesse cenário pandêmico? Responder a essa pergunta, me parece fundamental para a construção do futuro que nos espera. É nítido que fazer a gestão de uma cidade não é só construir lindas pracinhas e decorar com luzes brilhantes no Natal. A gestão precisa ser efetiva em identificar, analisar e suprir as demandas do território mediante políticas públicas eficientes e pautadas na realidade das pessoas e na construção de vidas dignas.

Falo da gestão pública para estar sempre lembrando que pessoas eleitas são funcionárias do Estado e estão (ou deveriam estar) cumprindo funções de um cargo ao qual ocupam no momento, ou seja, estamos falando de um trabalho. É muito importantes destacar isso pois os cargos políticos na realidade do nosso país, em muitos aspectos, são tidos como uma espécie de elevação divina, e não são.Se constituem cargos de trabalho e essas pessoas eleitas passaram em um concurso por voto, para desempenhar uma função de representação popular na gestão pública. 

Logo, quando alguma atividade é realizada, alguma obra pública concluída, mais profissionais de saúde chegam à uma cidade, NÃO É FAVOR, NÃO É GRAÇA DIVINA, NÃO É BONDADE, é o gestor cumprindo a tarefa para a qual foi empossado. Porém, as situações de precariedade são tão grandes, que comumente somos ensinadas(os) que é preciso fazer muita “festa” quando um gestor faz algo que é sua obrigação, pois normalmente é raro acontecer.

Aliado a esse estado de endeusamento dos Eleitos, da ideia de que quando fazem algo é em razão de serem bons, esta herança coronelista do nosso país que permite que os mesmo perfis de políticos (homens, brancos, burgueses, heterossexuais, cisgêneros e cheios de preconceitos) sejam eleitos, principalmente nos interiores, pois é o perfil que angaria recursos para candidaturas com o fim  de manter as coisas exatamente como estão. Mantendo a lógica como bem dizia a banda As Meninas “onde o de cima sobe e o de baixo desce”, ou seja, a manutenção do status quo. Este que não serve ao propósito da classe trabalhadora que é majoritariamente negra. 

Assim, esse status quo, aliado ao coronelismo, irá encontrar no Neoliberalismo, que é a ideia de que tudo deve girar em torno do mercado capitalista e que o Estado deve se curvar a isso e se organizar para ser assessor do mercado , o campo perfeito para fazer com que as pessoas não se aproximem da política enquanto um espaço DELAS, onde possam exercer cidadania consciente e votando com real análise, afinal isso não é conveniente ao status quo.

Nesse sentido, um outro aspecto do Neoliberalismo se faz presente: a individualização das pessoas, isentando o Estado de suas responsabilidades sociais e delegando a cada pessoa “se auto salvar” no mundo, estando cada pessoa exposta sua própria sorte. E se der certo bem e se não der, culpa da pessoa. É o alargamento máximo da meritocracia no campo existencial, onde o discurso de que “todas(os) podem ter sucessos basta se esforçar” reina, cada um está por si, se fracassou é em razão de não se esforçar o suficiente.

No campo das eleições esse cenário cria misérias individuais, onde cada pessoa deve fazer o que der para tirar o máximo proveito do seu voto exclusivamente para si, pois tem que individualmente SE SALVAR! Afinal, não há crença política no Estado, e sejamos honestas(os), temos votado MUITO MAL nesse país. Por isso nos cabe entender que a dinâmica de compra/venda de votos, a construção de pracinhas para desvio de verba e “adoçar o povo, e diversos outros estratagemas, usando desde sempre neste país, têm a função de manter o já citado status quo. E a criação da imagem dos espaços políticos como sendo para selecionados, também é uma estratégia para manter distante desses lugares o povo, criando uma aura de endeusamento para aqueles que lá se mantém às custas do povo

Antes de nos questionarmos o que nós temos a receber da política, precisamos nos questionar quais nossos débitos para com ela. Assim, para determinar as pessoas que vão guiar nossas cidades nesse cenário pandêmico, é necessária responsabilização nacional acerca das consequências dos nossos votos, ou seguiremos cometendo os mesmos erros.

 

Joice Santos, baiana no Piauí, Psicóloga, mulher negra, Especialista em Saúde Pública e Direitos Humanos, Ativista Antiracista e LGBTQI+, Líder apoiada pelo Fundo Baobá através do Programa de Aceleração de Lideranças Femininas Negras Marielle Franco.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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