O que pode acontecer com a chegada de pessoas negras, periféricas, não heterossexuais nas universidades? O que a presença negra e favelada gera ou pode gerar na universidade?

Esta pergunta tem sido feita e respondida de diversas formas pelos sujeitos e grupos que adentram ou se formam nos diferentes espaços existentes nas universidades. Uma das respostas possíveis a essa interpelação política é a publicação dos livros Periferias do gênero e Metodologia de pesquisa afrocentrada e periférica, ambos frutos de um intenso processo de pesquisa cuidadosamente elaborada no coração do Núcleo de ensino-pesquisa-extensão conexão de saberes da UFMG.

A partir de minhas vivências nos movimentos culturais, lancei-me à pesquisa guiada pelas ancestrais, inspirada pela luta das mulheres negras e orientada pela professora Claudia Mayorga. O Feminismo Negro das intelectuais da academia e das intelectuais dos movimentos sociais e das quebradas nutriu meu desejo de conhecer e produzir conhecimento junto com e a partir de experiências presentes no cotidiano da Juventude Negra.

(Re)existindo ao processo de genocídio, as juventudes negras das periferias urbanas ousam viver e com prazer exercem o direito de celebrar a vida. Por que o prazer da periferia negra incomoda tanto? Como e para que festejar, mesmo sobrevivendo em contextos de violência e morte? Qual a importância do fazer das mulheres negras jovens na cena cultural e política da periferia? Como fazer uma pesquisa feminista, afrocentrada e periférica? É possível enegrecer os processos de pesquisa e produção de conhecimento nas universidades brasileiras? Estas são algumas das questões que nordestearam o fazer-sentir-pensar que, sistematizado em dois volumes, compartilho com você agora.

Inaugurando o selo Intelectualidades Periféricas da Editora @Marginália, em tempos de reafirmação da importância das políticas de ações afirmativas e reserva de cotas para negras e negros nas universidades públicas brasileiras, esses livros topam o desafio de tornar acessível a produção acadêmica e o compromisso de inspirar a realização de processos de pesquisa protagonizados por pessoas negras, insubmissas, insurgentes e, quem sabe, contra-hegemônicas e contracoloniais.

Em Metodologia de pesquisa afrocentrada e periférica, conto como a pesquisa foi desenvolvida e apresento algumas possibilidades metodológicas que podem ser utilizadas como referência em outros processos de investigação acadêmica. Quem nunca parou para pensar em como uma pesquisa é feita ou quem está quebrando a cabeça para não perder a identidade ao pesquisar, vai se deliciar com essa leitura.

Em Periferias do gênero, apresento as descobertas, surpresas, os encantos e encontros possibilitados pelo campo de pesquisa na relação com os sujeitos participantes. Quem quiser saber o que rolou nos bailes funk e nos Duelos de MCs que frequentei durante a pesquisa vai adorar essa leitura.

Essa produção é compartilhada pela certeza de que a chegada das primeiras pessoas negras nas universidades públicas brasileiras era um importante anúncio de empoderamento e esperança: as primeiras a chegar não eram e não serão as únicas, porque nós andamos de bonde e, ao nos reconhecer, formamos quilombos.


Larissa Amorim Borges – Graduada em Psicologia pela PUC São Gabriel. Doutora e Mestre em Psicologia pela UFMG. Gestora de Políticas Públicas de juventude, Gênero e Raça com experiência nos níveis municipal, estadual e federal. Colaboradora na criação e desenvolvimento da disciplina Psicologia Social do Racismo no curso de Psicologia da UFMG. Liderou a elaboração do Plano Decenal de Políticas para Mulheres do Estado de Minas Gerais. Integra a atual gestão do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG).

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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Geledés Instituto da Mulher Negra
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